Sem rodeios, eis a hipótese que quero desenvolver hoje: a rotina massacrante leva pequenos aborrecimentos ao paroxismo. A vida ruim é intolerante à contingência, e cada coisinha sufoca, estreita as paredes da rotina. Uma chateaçãozinha boba, frívola, potencializa o abandono de Deus, esgarça a esperança de paz, aniquila um final de semana inteiro.
Drummond, inspirado por uma pedra no meio do caminho, hiperboliza um pedacinho de minério inofensivo. Sente-se cansado, de retinas fatigadas e marcado por um acontecimento que passaria desapercebido por uma pessoa de bom humor. Aliás, Drummond tanto aumenta seu probleminha que chama uma pedra no caminho de acontecimento. A única coisa que acontece quando há uma pedra no caminho, além de um possível mas improvável tropeço, é uma mudança na paleta da vida para tons mais acinzentados, quando o espírito assim demanda. Drummond, que é triste, orgulhoso e de ferro, arqueia o corpo em derrota. Por uma pedrinha, uma mísera pedrinha.
A única coisa que acontece quando há uma pedra no caminho, além de um possível mas improvável tropeço, é uma mudança na paleta da vida para tons mais acinzentados, quando o espírito assim demanda.
Dormindo quatro horas ou menos por dia, com trabalho acumulado, recebimentos atrasados e uma crescente e palpável perda do controle sobre a manutenção do físico, perco as estribeiras por uma anomalia da cidade grande que compro por desatenção: queijo minas light. Algo entre a textura de um poliestireno de primeira e um EVA de quinta categoria, não derrete, não estica, não tem sabor nem cheiro. Um pequeno buraco negro de felicidade com que digladio em busca de uma forma comestível da coisa.
Tento fritar na panela para ver se vira algo próximo do coalho, tento derreter no micro-ondas, temperar com chimichurri, mas nada: o maldito queijo é um tofu rejeitado pelo diabo. Sobe à alma o angst de Kierkegaard, o mal-estar da civilização de Freud, o spleen de Baudelaire, discografias inteiras de Radiohead, baladas tristes de R.E.M., finais de filmes canastras, poemas de Murilo Mendes e Lord Byron. Tudo por causa de um queijo. Como eu disse, a rotina massacra e o proletário nada de cachorrinho no lamaçal, lutando por cinco minutos de ar puro para respirar e aguentar mais uma semana. Até isso nos roubam, o capitalismo e o queijo light. Até isso.