Já não reconheço a Paraty da minha infância. Volto à cidade histórica, uma das mais antigas do Brasil, em uma das muitas festas fixas que lotam o calendário badalado que o município constituiu para si nas últimas décadas. Festa literária, festival de blues, festival de jazz, feira fotográfica são alguns eventos modernos que se somam aos antigos: festa do divino, festival da pinga, feriado de corpus christi, carnaval.
Nunca soube dizer aos meus amigos ou a quem quer que fosse o meu local exato de nascimento. Ok, nasci em Praia Brava, que é um distrito de Angra dos Reis, mas Praia Brava fica apenas do outro lado do Rio Mambucaba, que separa o município que consta no RG de Mambucaba, onde resido desde o segundo dia de vida, e pertencente à Paraty.
O perímetro urbano de ambas é inacreditavelmente longe das duas vilas que fazem a minha gênese, de maneira que um jantar no centro histórico correspondia a uma viagem noturna de cerca de cinquenta quilômetros por uma rodovia federal escavada no meio da mata atlântica litorânea do Estado do Rio de Janeiro. Paraty, portanto, sempre foi uma distância geográfica, assim como Angra mas, talvez por morar em Mambucaba e por ter visitado muito mais a cidade histórica, cresci paratiense.
A cidade foi toda culturalmente assimilada pelo ethos paulista, e não me vejo mais nas portas coloridas, nos doces de tabuleiro, na maré que invade a rua de tarde ou no cheiro de mijo atrás da Igreja da Matriz.
A cidade também sempre soube exercer sua personalidade sobre a minha formação. Suas ruas pedregosas bucólicas de ocasional festividade combinavam muito mais com meu espírito introspectivo dado a pequenos arroubos do que o caos desordenado do continente angrense – num contraste gritante com o luxo e a ostentação das ilhas.
Chegando à minha terceira participação jornalística na Flip, digo que agora, nem mais paratiense me sinto. A cidade foi toda culturalmente assimilada pelo ethos paulista, e não me vejo mais nas portas coloridas, nos doces de tabuleiro, na maré que invade a rua de tarde ou no cheiro de mijo atrás da Igreja da Matriz. Quase não há mais esse cheiro de mijadas milenares que se acumularam como o barro do mar entre as pedras. O ar cheira a madeira nova e perfume caro. Todas as lojas são tão ou mais vistosas que a loja da Aqualung da minha infância, com seu interior bem iluminado, suas paredes bem rebocadas e limpas, suas vitrines sem marcas de poeira e dedo. Paraty vai se tornando sofisticada e esterilizada. E eu vou me tornando desenraizado para sempre.