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Home Crônicas Yuri Al'Hanati

Adeus raivoso

porYuri Al'Hanati
29 de agosto de 2016
em Yuri Al'Hanati
A A
"Adeus raivoso", crônica de Yuri Al'Hanati.

Imagem: Reprodução.

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Ela começou a fazer as malas às seis da manhã. Não me olhou na cara, não trocou uma palavra comigo depois do fogo cruzado da madrugada. Estávamos cansados pela falta de sono e pela falta de solução e ela, resignada e furiosa, se limitou a juntar as roupas, os objetos de banheiro e o que mais fosse necessário para esses primeiros dias em um hotel. Eu fiz o meu papel de homem e fiquei sentado na cama como um bobalhão, observando tudo, sem reagir a nada. Acho que era o esperado de mim. Não podia ir para lugar nenhum, era a minha casa.

De pé, agarrando casacos com raiva, minha recém-ex-esposa soltava lufadas de ar pelas narinas dilatadas, segurando as lágrimas que não queria deixar cair naquele momento. Qualquer esperança de retorno a um estágio anterior de nosso relacionamento seria dinamitado pela lembrança daquele momento. Nossa história se esvaindo junto com a noite, o sol dando lugar ao nosso primeiro dia como solteiros depois de muitos anos.

Orgulhosos e desbocados, um par de galos de briga, esporas afiadas sempre à espera da contenda. Por alguma razão, nos contivemos ao longo de todo esse tempo. Fazíamos isso um pelo outro. Concessões. Acreditávamos que o amor também se construía nos socos que tomávamos calados.

Terminar é cansativo, mas isso pouca gente fala. A energia gasta para fazer voltar a objetividade da conversa derradeira, que a todo momento escapa entre episódios de ressentimento que de repente se tornam prenúncios do fim, é enorme — e desnecessária, não fosse a liberação de tantas emoções confinadas em nome da convivência pacífica. O início é necessariamente emocional; ao fim, convém certa racionalidade.

Mesmo assim, não há maneira fácil de fazer isso. Ponderar todas as palavras não vai impedir a ebulição dos ânimos e os cortes profundos na carne. Nós dois nunca fomos esse tipo de gente, de qualquer forma. Orgulhosos e desbocados, um par de galos de briga, esporas afiadas sempre à espera da contenda. Por alguma razão, nos contivemos ao longo de todo esse tempo. Fazíamos isso um pelo outro. Concessões. Acreditávamos que o amor também se construía nos socos que tomávamos calados, na direção oposta do nosso desejo. Pequenos sacrifícios que escoravam a frágil edícula de nossos dias juntos. Olhando daqui, tudo parece um enorme desperdício. Ela também se sente assim. Sei disso.

Ela rompe o silêncio ao celular. Chama um táxi pela última vez em seu já antigo endereço. Mas a mim não deixa nenhuma instrução. Tivéssemos uma aliança, seria agora que ela a jogaria no chão. Bate a porta com força, mas o vento encanado não deixa fazer tanto barulho. Vai esperar o táxi lá embaixo. Sei que ainda vamos nos ver, vamos ter mais algumas conversas, principalmente as de ordem prática. Preciso juntar o resto de suas roupas, seus livros, discos, DVDs, os pequenos objetos que usava para enfeitar a casa. Um pôster da Etta James. Marcar um encontro, arrumar um serviço de frete e tirar daqui os vestígios do que foi sua presença nesse lar. Mas agora não. Agora, faço um café, tomo um banho e tento não desmaiar de sono. Preciso ir pro trabalho daqui a pouco. Vou passar na padaria e comprar um energético. A mocinha do balcão vai perguntar dela. Eu sei que vai.

Tags: adeus raivosobrigaContoCrônicaseparação

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