– E aí, o que achou?
A pergunta era honesta, sem dúvida. Mas a verdade é que eu não sabia que apartamentos grandes poderiam ser tão apertados. Meu cubículo, com seu amontoado de livros e vinhos, soava mais espaçoso do que aquela cozinha americana, dois quartos enormes, um banheiro diminuto e uma sala que poderia muito bem ser um corredor. Espaço para um sofá, uma televisão no painel e olhe lá. Espelhos por tudo, para conferir falsa profundidade a seus caminhos estreitos. Quantos espelhos numa casa! Um caso de transtorno narcisista talvez até se sentisse incomodado ali, com os reflexos se amontoando como em um labirinto mal-ajambrado de própria vaidade.
Meu cubículo, com seu amontoado de livros e vinhos, soava mais espaçoso do que aquela cozinha americana, dois quartos enormes, um banheiro diminuto e uma sala que poderia muito bem ser um corredor.
Um paradoxo: em seus mínimos detalhes, o apartamento revelava não ter detalhe nenhum para se atentar. Sua decoração sóbria e sem personalidade mais o assemelhava a um apartamento modelo, usado por corretores para vender o imobiliário. A aparência do real, o bonito e eficiente à espera do toque pessoal que transformaria o apartamento em um lar. Tal toque, entretanto, nunca chegou, e seus móveis de mostruário, seus quadros de sensibilidade artística dúbia, seus espelhos e painéis, tudo parecia petrificado pela chatice. Nada pulsava, nada respirava. E como se recebe pessoas aqui, eu quis saber, não esperando uma solução. Descemos.
O pátio asséptico do prédio, com seus tijolos, ladrilhos e bancos de madeira nas áreas comuns em tudo lembrava a uma maquete. As portas de vidro temperado verde com esquadro branco reforçavam isso. Dentro de cada uma, uma área comum diferente, arranjada de acordo com a ocasião. Duas ou três churrasqueiras, espaço para sushi, espaço para fazer pizza, para tomar vinho, para jogar sinuca, para fazer academia. Uma piscina coberta, um salão. Tirando a piscina, a academia e o salão, nada comporta mais gente do que um apartamento de médio porte comportaria. E paga o quê? Paga a taxa da limpeza. Cento e poucos reais. Muitas opções e uma mera quantia em dinheiro para nunca precisar receber seus falsos amigos em casa. Para que, afinal? Criticar sua escolha de mobília, se apertar contra os espelhos e fingir simpatia? Melhor ali embaixo, melhor que nunca subam. Que nunca rompam a barreira da intimidade do apartamento. A privacidade é um artigo de luxo, quem pode tê-la deve ter também meios para não se tornar menos sociável em sua defesa.
Passeio pelos salões de vidro subitamente me dando conta de que perdi o motor da história da vida privada na cidade grande. Onde eu estava quando as churrasqueiras de prédio foram construídas? Eles estão certos, eu tento pensar. A privacidade. A conveniência. A vida íntima precisa de uma antessala, uma zona franca para… para que se saiba com quem está falando. Subir é merecimento. Festa em casa é mais exclusiva, para poucos. Exclusividade é o que todo mundo quer. E quem não ia querer?
– Achei ótimo.