Parece que uma coisa que se popularizou como brinde semi-inútil é o aromatizador de ambiente. Trata-se de um vidrinho de perfume cuja fragrância é espalhada pelo ambiente por meio de varinhas de madeira enfiadas no líquido. Não sei exatamente qual é a ciência por traz da condução do cheiro por meio das varinhas e não tenho certeza de que minha crônica se beneficiaria com esse mínimo a ser pesquisado. Fato é que comecei a receber muitos desses de brinde de eventos tradicionais de uma sociedade tradicional: casamentos, chás de bebê, chás de panela, essas formalidades decrépitas sustentadas ao longo das décadas pelo desejo individual das pessoas de extinguir todas elas, mas só depois de ter suas respectivas vezes na vitrine da vida.
Um aromatizador ganhei no casamento da minha mãe, que resolveu fazer uma festona com brindes como esse para os convidados. Minha mãe gosta muito de lavanda, e recebi o frasquinho e os palitinhos para descansar no líquido por meio de um orifício pequeno na tampa. Deixei na cabeceira da cama, e esse foi o meu erro. Um belo dia o troço caiu na cama e esparramou essência de lavanda por tudo quanto é lado, encharcando edredons e lençóis. Era impossível ficar no quarto com aquele cheiro. Precisei colocar toda a roupa de cama para lavar umas duas ou três vezes, e nesse momento todos os propósitos estavam se invertendo: o aromatizador tinha aromatizado demais, e a máquina de lavar precisava deixar o que estava sendo lavado menos cheiroso.
“O aromatizador tinha aromatizado demais, e a máquina de lavar precisava deixar o que estava sendo lavado menos cheiroso.”
Enquanto assistia à minha máquina batendo aqueles lençóis e cobertas e o cheiro de lavanda empesteava todo o ambiente da casa, me ocorreu que as coisas assim se sucedem quando são extremadas. Perdem o efeito inicial e acabam jogando contra aquilo que pretendiam, e necessitam de uma lógica igualmente reversa para que sejam trazidas de volta ao seu estado natural. Guerras, correntes ideológicas, movimentos sociais, venenos de Deus e remédios do Diabo. Diante disso, o equilíbrio, que parece um conceito etéreo e sem muita importância na vida real, fica claro como paradigma da moral das substâncias e ideias. A busca pode ter seu lado místico, mas o conceito de equilíbrio é concretamente claro.
E enfim, nunca mais entrou nada com cheiro de lavanda aqui em casa depois dessa.