Um dos melhores livros que Bill Waterson, o criador de Calvin e Haroldo (Hobbes, no original, vai entender essas traduções), já escreveu se chama Os Dias Estão Simplesmente Lotados. Na coletânea de tirinhas, o menino imaginativo tira férias e faz sua programação para os dias de folga: um intensivo de ócio e preguiça, que ele acaba usando para imaginar mundos e alter egos.
Waterson, com esse título (The days are just packed) contrapõe a diminuta lista de obrigações de uma criança com o nosso conceito adulto de agendas e horários. Desde que Byung-Chul Han expôs a ideia em público, já sabemos que não é mais possível lotar nossos dias com o ócio puro sem que a culpa liberal nos acometa. Construir-se e explorar-se são vícios pós-modernos para os quais não existe clínica de reabilitação eficaz, embora retiros e imersões continuem sendo um negócio rentável. Mesmo as férias são usadas para resolver problemas e pendências de outras ordens, e para as quais não temos tempo de segunda a sexta.
Escrevo isso nesse momento enquanto observo minha agenda de compromissos atropelar minha própria capacidade de gerenciar a vida. Aceito mais trabalho do que devo com o olhar fixo no horizonte incerto, na falta de um amanhã seguro que permita o descanso hoje. Escrever crônicas, gravar e editar resenhas, ler livros, mediar uma mesa, organizar um evento, assistir a aulas, treinar canto, ser mesário nas eleições, tudo isso me sugou as últimas semanas – até modelo publicitário de mão eu fui! Em nome do quê? Do dinheiro que já tenho, da ganância que me assombra na meia-idade, da Harley-Davidson que não vai se pagar sozinha, do amanhã turvo e na necessidade de construir algo para fora do meu trabalho comercial, já que, assim como outros, também eu fui fisgado um dia pela isca perniciosa da satisfação profissional. Queria ser como um desses jornalistas em perfeita condição de administrar a própria vida, como Millôr uma vez disse de Sérgio Porto. Estavam os dois às duas da manhã no bar, às seis na praia e às oito na redação. Se bem que Sérgio Porto morreu do coração aos quarenta e cinco anos.
Aceito mais trabalho do que devo com o olhar fixo no horizonte incerto, na falta de um amanhã seguro que permita o descanso hoje. Escrever crônicas, gravar e editar resenhas, ler livros, mediar uma mesa, organizar um evento, assistir a aulas, treinar canto, ser mesário nas eleições, tudo isso me sugou as últimas semanas – até modelo publicitário de mão eu fui! Em nome do quê?
O enriquecimento, sabemos, é um mito, e ainda sou parte integrante da nanoburguesia que se emociona com oferecimento de traslados e cafés da manhã de hotel com salsichinha, ovo mexido e triângulos de queijo minas dispostos em fileiras numa travessa de porcelana branca equilibrada em um monte de gelo. Mas ainda levanto o knut sobre minhas próprias costas movido sabe-se lá por quais engrenagens da psicopolítica. Trabalho porque não se pode lotar os dias como Calvin. No máximo, uma meia horinha de descanso bem descansado, mas não mais do que isso.
Agora preciso ir.