Tenho um amigo, o Henrique. Henrique foi baterista da minha primeira banda aqui em Curitiba e, apesar de ser seis anos mais velho do que eu, cresceu ouvindo bandas muito similares as que eu ouvi na minha formação. Quase todas as vezes em que nos encontramos embalamos discussões demoradas sobre as nossas bandas favoritas e o porquê delas serem tão ruins hoje em dia. O centro é sempre o punk rock, gênero que era considerado, à nossa época, um dos símbolos máximos da transgressão juvenil.
Mas dia desses, Henrique trouxe uma constatação que, embora já fosse palpável, era difícil admitir – ainda mais pra ele, que começa a se aproximar dos 40 sem perder a aparência jovem: o punk rock não apenas não faz mais parte da realidade adolescente de hoje em dia como já pode facilmente entrar no guarda-chuva musical genérico conhecido como “música de tiozão”, junto com o hard rock, o blues, o rock progressivo e o jazz – cada um deles, ícones da intransigência de uma geração. Talvez seja anacronismo ou talvez eu seja simplesmente mau perdedor ao ver grandes bandas da minha infância e adolescência, como Bad Religion, Dead Kennedys, Suicidal Tendencies e NOFX indo para o mesmo limbo geracional onde hoje agonizam Dire Straits, AC/DC, Jethro Tull e ZZ Top, mas o fato é que tenho fortes razões para acreditar que existe agora uma lacuna não-preenchida para aplacar a alma insurgente da garotada.
“Se o punk rock morreu ou não morreu, como pregam ou desmentem os cartazes e os muros por aí, não me cabe responder, mas fato é que coisas como essas ajudam a pelo menos esboçar pensamentos sobre a vida em sociedade por uma perspectiva alternativa em uma cabeça desmiolada de adolescente que, de outra maneira, estaria mais preocupado com popularidade e smartphones.”
Música, música, negócios a parte, o punk rock conseguiu dar um passo além dos outros estilos por se desprender quase que completamente do mercado fonográfico em seus segmentos mais radicais, e por pelo menos tentar politizar a revolta de não compactuar com a ordem vigente, muito embora tenha nascido para o mundo de uma jogada marqueteira na Inglaterra dos anos 70, com os Sex Pistols. Ian MacKaye, à frente do Fugazi, estabeleceu um preço mínio de cinco dólares para seus shows; Jello Biafra e os Dead Kennedys não faziam videoclipes para e eram veemente contrários a essa indústria (como demonstrado na música “MTV Get Off the Air”); o NOFX é hoje a maior banda independente do mundo, prensando e distribuindo seus próprios discos sem apoio de nenhuma major. Todas essas atitudes, e o ideal do “Do it Yourself” sempre foram elementos marginalizados de uma indústria cultural que prima por mercantilizar tudo até a medula, mas agora o punk é marginalizado pelo tempo também. Se o punk rock morreu ou não morreu, como pregam ou desmentem os cartazes e os muros por aí, não me cabe responder, mas fato é que coisas como essas ajudam a pelo menos esboçar pensamentos sobre a vida em sociedade por uma perspectiva alternativa em uma cabeça desmiolada de adolescente que, de outra maneira, estaria mais preocupado com popularidade e smartphones.
Da minha própria experiência, acredito que o punk rock tenha me tornado um adulto mais crítico com relação às manobras do mundo em que vivo hoje, e os amigos que tenho que se formaram na mesma escola musical também são assim. O gênero também funciona bem como um ralo para a inextinguível fúria que existe dentro da alma e para reduzir o senso de auto-importância a níveis mais saudáveis em um mundo cada vez mais afoito por selfies. Por fim, é uma música boa, eu acho. O Henrique também acha, e ele é uma pessoa muito crítica. Mas agora é só um tema para conversas entre pessoas mais velhas que falam como as coisas eram melhores no tempo delas. A molecada está bem resolvida com sua estética pop distorcida e suas musas drag queens, aparentemente.