Já faz algum tempo, tive um desses sonhos que permanecem insistentemente na memória e, como o vinho, melhora com o tempo. Era uma narrativa complexa com diálogos profundos e epifanias de todos os tipos que simplesmente se perdem aos nacos após o despertar, mas vou me esforçar para contar de maneira fidedigna a história.
No sonho, eu era o piloto de um foguete carregado com não sei quantas cargas atômicas prontas para serem explodidas. Uma espécie de homem-bomba cósmico, por assim dizer. Havia sido convidado pela estação espacial para essa missão depois que um dos cientistas me revelou que, por meio de seu potente observatório, havia descoberto a exata localização d’Ele no cosmos, e decidira liquidá-lo o quanto antes. Eu estava montado em uma bala em direção à cabeça de Deus, em outras palavras.
Lembro de haver perguntado sobre o propósito daquela missão em algum momento, e ouvi do cientista o fatalismo seco desse tipo de abordagem. Dizia ele que, se Deus existisse, então não havia propósito em buscar respostas por meio de métodos científicos, que tudo está onde deveria estar e não havia nada que se possa fazer. Basicamente, deveríamos matar Deus para continuar nossa condição de seres humanos. Antes de embarcar no foguete, vi o cientista beijar o casco da gigantesca nave com uma fé comovente, olhar pra mim e dizer algo como “vai, que ele também quer que tudo acabe logo”.
No sonho, eu era o piloto de um foguete carregado com não sei quantas cargas atômicas prontas para serem explodidas. Uma espécie de homem-bomba cósmico, por assim dizer.
Não me perguntem o que esse sonho quer dizer porque analisar sonho nunca foi uma coisa lógica pra mim. Além do mais, raramente meus sonhos apresentam uma coerência narrativa dessa magnitude. O que me chamou a atenção, e o que ele vem melhorando na minha cabeça, é a ideia de matar aquilo que te torna sem curiosidade. Anular as forças inertes que não despertam a curiosidade, a desobediência e a insatisfação humana. Mesmo que isso signifique ser expulso do Paraíso. Mesmo que isso signifique enfiar uma bala na cabeça de Deus.
Viver cheio de medo é algo que faço todos os dias, há vários anos. Deve ser isso.