O jornalista e cartunista ponta-grossense Alberto Benett está entre os principais – e mais frutíferos – artistas gráficos do país. Além de ser um dos fundadores do jornal curitibano Plural, ele é chargista da Folha de S.Paulo e ingressou recentemente no time de cartunistas da revista piauí. Dentre os seus livros, estão Amok: Cabeça, Tronco e Membros, de 2013; Benett Apavora: Tiras Infames e Desenhos Encardidos Para Toda Família, de 2017; e Anedonia: Tiras de Amor e outros Dramas de 2022.
Em entrevista para a Escotilha, Benett fala sobre o cruzamento entre o jornalismo e o desenho na sua trajetória e sobre os impactos do período de governo Bolsonaro sobre o seu processo criativo.
Escotilha » Benett, você é jornalista e cartunista, e tem mais recentemente a experiência de ser sócio de um jornal, o Plural. Eu queria saber se esse projeto – de trabalhar com desenho – apareceu como um plano para você desde o início do seu ingresso no jornalismo.
Benett » Foi uma espécie de plano, sim. Eu havia sido demitido de um jornal um mês após ser contratado, por conta de um quadrinho que não deveria ser publicado – não num jornal em que os donos eram da TFP. Então imaginei que cursar jornalismo me daria mais bagagem para voltar as redações. Mas sempre como cartunista, nunca me passou pela cabeça ser repórter, por exemplo. Sou uma pessoa que não consegue se comunicar nem conviver muito bem com outras pessoas, então seria um desastre se tivesse que cobrir policial ou esportes, por exemplo.
A gente passou por quatro anos horríveis em que os artistas foram muito desvalorizados. Por outro lado, momentos de forte crise social e política tendem muitas vezes a estimular a criatividade dos artistas – vide o que ocorreu durante o período de regime militar. Como você se sentiu que os anos de Bolsonaro impactaram no seu trabalho?
“(Os anos Bolsonaro) foram um pesadelo do começo ao fim”.
Benett
Foi um pesadelo do começo ao fim. Porque há uma diferença entre desenhar um político normal, como o Temer, por exemplo, e alguém que não é só um político, mas um movimento. O Bolsonaro é apenas a cabeça principal de uma espécie de hidra que se movimenta em várias direções. Em um determinado momento não era mais engraçado desenhar sobre Golden Shower ou farofada, porque essa reação já estava prevista pelos seus ideólogos. Portanto, anulava qualquer alcance de uma charge. Ser ridículo para irritar e gerar engajamento nas redes sociais era uma estratégia. Então foi preciso reformular o modo de fazer humor, e isso inclui deixar o humor de lado.
Uma coisa muito bacana (e intrigante) do seu trabalho é que você consegue produzir, por um lado, cartuns com forte carga noticiosa e crítica política e, por outro, manter uma obra super existencial, profunda e delicada. Isso não dá um nó na cabeça às vezes?
Acho que uma coisa serve para desafogar a outra, acaba sendo algo que me dá um certo equilíbrio para não ficar entediado. Não gosto da ideia de ser um cartunista exclusivamente político, monotemático; nem de um desenhista de tiras que só olha para o próprio umbigo e está alheio a discussões essenciais para a sociedade. De qualquer forma as duas coisas são lados opostos do mesmo desespero.
Por fim, você já participou das outras edições da Bienal de Quadrinhos de Curitiba? Como você vê a importância do evento para os artistas brasileiros?
A Bienal promove encontros entre autores, editores e o público – essa sopa orgânica que gera vida cultural, especialmente porque a última Bienal foi online devido a pandemia. Há um mercado underground que tem vida própria e acaba se encontrando em bienais, feiras de livro, exposições. Tem autores que são best-sellers e não estão em grandes editoras, publicam os próprios livros, vendem os próprios posters e camisetas. Como a Lark, por exemplo, que tem um público imenso. Onde você verá num mesmo evento a Lark, a Marília Marz e a Carol Ito, por exemplo?
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