Já faz algum tempo que pesquisadores argumentam sobre a irrelevância da mídia tradicional na cobertura cultural. No caso da crítica literária, argumenta-se que a crise financeira, a redução de mão de obra capacitada e a visão comercial da arte geram textos irrelevantes e rasos. Como exemplo, os suplementos de domingo são sempre citados: há cinquenta anos, professores de literatura escreviam extensas análises; hoje, o suplemento precisa espremer em suas páginas desde as sete artes até questões políticas, econômicas…
Em seu livro Jornalismo Cultural no Século XXI, Franthiesco Ballerini comenta o quanto é difícil fugir dessa lógica. Em primeiro lugar, ele cita a falta de apelo da literatura numa era audiovisual; além disso, destaca a dificuldade de competir com a cobertura dos filmes de Hollywood e dos grandes shows musicais; por fim, o próprio tempo necessário para a leitura e o alto número de publicações cria uma logística complicada dentro da redação.
Elizabeth Lorenzotti, em sua tese (disponível aqui), afirma que grande parte disso está associado aos valores modernos, como a velocidade, que prejudica a arte, sua fruição e análise, ao priorizar a novidade em detrimento da reflexão, e a concepção de arte como entretenimento comercial e não como um processo de aperfeiçoamento pessoal.
Dessa forma, Elizabeth diz que essas concepções geram uma sociedade que “não precisa de cultura, mas de entretenimento, e consome bens culturais como a quaisquer outros. Portanto, esse material deve ser devidamente alterado para ser passível de consumo. O entretenimento não é condenável. O que se pode condenar é o apetite pantagruélico que tem como fim apenas e tão somente consumir, e não o ato dialético de absorver, assimilar e interagir, tornando-se maior com a aquisição feita”.
Essa postura pode ser vista além da cobertura cultura na mídia tradicional, como nas feiras literárias e nos lançamentos editoriais em que a celebridade e o espetáculo são mais importantes do que a literatura realizada. No quesito da crítica, os argumentos geralmente retomam os suplementos literários de domingo escrito pelos pesquisadores de literatura, destacam a mídia tradicional como insuficiente e a rede como um emaranhado de vozes em que prevalece o amadorismo e o texto raso.
No entanto, não é de se questionar que, nesse cenário, algumas revistas de literatura, como a Quatro Cinco Um e o Suplemento Pernambuco, ganhem destaque? Que manchetes como “fenômeno dos ‘booktubers’ difunde clássicos literários para público jovem” apareçam e que Grupos de Leitura e de Discussão, presenciais e digitais, tenham voltado a se disseminar?
Em um artigo publicado em 2012, Lourival Holanda comenta que esse movimento é algo natural ao exercício da crítica. Ela se instala no espaço de seu instrumento: a literatura. Quando antes havia a necessidade de legitimar a crítica como um espaço sério por meio de intelectuais tarimbados pelas universidades, hoje a crítica tem um novo leque de possibilidades e que, “mesmo que inquiete pelo volume de besteiras que permite, ainda assim vale o preço”.
Dessa forma, o que se destaca é que a crítica não desapareceu, mas habita um novo espaço e precisa tomar seu tempo para maturar (ainda que, em maior ou menor grau, repleta de formatos rasos e influenciada pelo mercado editorial).
Um fator que pode ser levado em consideração como ponto de partida na discussão é a característica do texto sem autoridade. Ao falar sobre esse aspecto no seu livro, Leyla Perrone-Moisés destaca, em Mutações da literatura no século XXI, que “a qualidade e a credibilidade de qualquer tipo de juízo crítico são flutuantes e provisórias, como toda e qualquer manifestação de ideias em nossa ‘modernidade líquida’”.
Hoje a crítica é feita por qualquer leitor que saiba utilizar as ferramentas sociais, está ligada às experiências de leituras e permeia uma pluralidade de plataformas. É feita nos impressos, textos em blogs, podcasts, em grupos e perfis do Facebook, Whatsapp, Twitter, Tumblr ou Instagram e, também, nos famosos vídeos do YouTube.
Hoje, a crítica é feita por qualquer leitor que saiba utilizar as ferramentas sociais está ligada às experiências de leituras e permeia uma pluralidade de plataformas. É feita nos impressos, textos em blogs, podcasts, em grupos e perfis do Facebook, WhatsApp, Twitter, Tumblr ou Instagram e, também, nos famosos vídeos do YouTube.
Por isso, Holanda diz que “os novos críticos – e os que se renovam – reivindicam o movimento, a intensidade; a voz própria; de quem vem ouvir, mas já alforriado da ventriloquia intelectual de redizer os ídolos”. Nesse contexto, o problema se torna o texto sem embasamento. Em um momento em que a opinião é supervalorizada, medidas devem ser tomadas para oxigenar o campo da crítica e fazer com que ela continue relevante.
O primeiro risco que surge é o da multiplicidade de pontos de vista como lugar comum, repressor do confronto entre textos. Isso acontece quando o “é minha opinião” se torna mais importante do que a troca de ideias, que o debate.
Além disso, Perrone-Moises ressalta a necessidade da crítica como defesa de uma literatura de qualidade: não como apologia de um cânone arrogante, mas uma relação com a herança da literatura. Além disso, destaca que a crítica não melhora a produção literária, mas traz novas leituras; não melhora a produção, mas examina o que é produzido e aperfeiçoa a qualidade de consumo dos leitores e possibilita a formação de futuros escritores.
O texto crítico não traz uma verdade, mas precisa ser válido, embasado. Antonio Candido enxergava o trabalho do crítico como o de revelar e contextualizar o que há entre a leitura e a sensação despertada no leitor. Por isso, Leyla Perrone-Moises afirma: “a crítica exige bagagem cultural e argumentos, e estes necessitam de um mínimo de fundamentação teórica, que só se adquire na prática de muita leitura de e sobre literatura”.