Não é nosso o termo “falta de gênero” – mas ele é ótimo. A ordem secreta dos ornitorrincos é uma obra que provoca as concepções de texto literário do leitor e o convida a ler criativamente suas páginas. Um misto de ficção, história da ciência, literatura e texto científico em fabricação. Fabricação, aliás, é um pouco do que praticamos com a leitura desse texto.
Maria Alzira Brum Lemos é autora de obras em português e em espanhol e tem formação acadêmica (doutora em Comunicação e Semiótica, além de ser professora). Além disso, tem experiência com tradução e com trabalhos culturais – como oficinas de criação literária e festivais literários. Sua rede de influências é rica e vemos como apenas essa breve apresentação já aponta para uma grande infusão que o livro apresenta.
A ordem secreta dos ornitorrincos versa sobre a história da ciência, trazendo referências a grandes marcos, como a teoria da relatividade e o gato de Schrödinger. Ao mesmo tempo, é uma leitura que nos apresenta diversos personagens e narra episódios de suas vidas. Por último, como já mencionado, a obra incentiva a participação do leitor por meio de sua contribuição ao rol de leituras possíveis.
A novela diz e se desdiz em alguns momentos, como quando narra a justificação para o nome de uma personagem. Afinal, qual seria a verdadeira motivação nesse batismo? As trilhas que podem ser percorridas são mais do que uma.
Como é que A ordem secreta dos ornitorrincos consegue essa multiplicidade de vocações? O texto brinca com as expectativas do leitor e o convida a repensar os pilares do que se considera literário. A novela diz e se desdiz em alguns momentos, como quando narra a justificação para o nome de uma personagem. Afinal, qual seria a verdadeira motivação nesse batismo? As trilhas que podem ser percorridas são mais do que uma.
Outros acontecimentos também dão essa abertura. Ao ler, acumulamos informações sobre os personagens sempre que vemos o seu nome, mas… e se, às vezes, parece que mais de um personagem tem o mesmo nome? Porque essas duas Marias não podem ser a mesma, não é? Ou será que podem? Adentrar o labirinto é aceitar o convite para se perder. É como se diz: em uma festa, só nos resta dançar conforme a música. É mais ou menos isso. Só não pode é ficar brabo…
A ordem secreta dos ornitorrincos não é só uma sociedade secreta do século XVI (um dos motores da narrativa). A imagem do ornitorrinco, não à toa, é uma boa imagem para grandes reflexões do livro. A ciência vem construindo uma leitura específica do mundo, uma forma clara de identificar e caracterizar tudo. Mas a ciência não é infalível. O ornitorrinco, para as “caixinhas” da biologia, é um dos animais que causam confusão. São uma provocação direta a nossas concepções do que é uma ave (bota ovos, não dá leite, tem penas) e do que é um mamífero (dá de mamar aos seus filhotes, nada de ovos, pelos sobre a pele). A ciência não consegue entender ou prever o todo em suas categorias.
Para a literatura, há coisas semelhantes. Quando se pensa entender o que é literatura, uma “obra ornitorrinco”, como essa, provoca suas ideias pré-definidas. A realidade quebra as nossas expectativas e não podemos lhe dizer que ela está errada. Independentemente do que você quer que a realidade seja, ela será o que tiver de ser. Vamos aprendendo a lição, leitores de ciência e leitores de literatura.
A novela de Maria Alzira Brum, A ordem secreta dos ornitorrincos, é valiosa porque trabalha não com uma construção monumental, mas com diversas construções. São construções em andamento das quais se pode fazer parte. Construções de variadas plantas, tamanhos, funcionalidades… é um labirinto onde perder-se não é ruim, mas o objetivo. É uma ode ao valor de explorar, de embrenhar-se, num mundo que ainda só quer falar sobre esclarecer-se.
A ORDEM SECRETA DOS ORNITORRINCOS | Maria Alzira Brum
Editora: Amauta Editorial;
Tamanho: 130 págs.;
Lançamento: Janeiro, 2008.