Um grupo de amigos se reúne na véspera de Natal para contar histórias fantásticas e um deles, um tal de Douglas, afirma conhecer a mais assustadora de todas. Ela é supostamente real e está num manuscrito que ele manda vir de outra cidade especialmente para ocasião.
A partir daí, temos uma história dentro de outra história e Henry James, muito maroto, nos laça já de cara, de um jeito que fica difícil largar o livro.
O tal manuscrito contém as anotações de uma mulher que não sabemos o nome, filha de um senhor religioso e que foi contratada por um homem muito charmoso para trabalhar como governanta em uma casa de campo chamada Bly. O objetivo é que ela cuide de seus dois sobrinhos órfãos, Flora e Miles. Para isso, ela precisa se mudar para lá, só que, em hipótese alguma, deve entrar em contato novamente, pois o homem não quer ser incomodado na cidade. Qualquer problema deve ser resolvido por ela mesma. Ou seja: te vira, minha filha.
Sentiu o drama? Vai dar merda, né? É claro que vai.
A tal casa é na verdade uma mansão vitoriana com aquela carinha de cenário de filme de terror gótico. A criada que lá trabalha, Mrs. Grose, é uma senhorinha muito querida e Flora, a garotinha, parece um anjo. Tudo vai muito bem até o momento em que chega uma carta avisando que Miles foi expulso do colégio interno. O motivo não foi esclarecido.
O garoto chega e se mostra uma criaturinha bela e adorável. Ele é tão educado que chega a ser o estranho o fato de ter sido expulso. Para não criar um climão, a governanta resolve deixar quieto e não perguntar o motivo.
A partir daí, chega aquele momento em que precisamos dizer que “coisas estranhas começam a acontecer”. Mansão no meio do mato, escuridão, sons estranhos, teve gente que morreu por ali, etc, dá pra imaginar aparece por lá, né? Estudos apontam que histórias de terror envolvendo crianças têm 100% de chances de serem mais assustadoras. E aqui não é diferente.
Com pleno domínio da arte de contar uma história, James estabelece um clima de suspense que deixa o leitor aflito e vai ainda o torturando aos poucos, liberando pouquíssimas e confusas informações, para que as teorias com explicações mais estapafúrdias sejam elaboradas.
Henry James escreveu A outra volta do parafuso (publicado também como A volta do parafuso) no final do século XIX e é impressionante como a estrutura narrativa utilizada por ele segue servindo de inspiração ou sendo descaradamente copiada até hoje. O que torna o livro um clássico da literatura mundial, além da história maravilhosa, é a forma ambígua com que a obra é narrada.
Com pleno domínio da arte de contar uma história, James estabelece um clima de suspense que deixa o leitor aflito e vai ainda o torturando aos poucos, liberando pouquíssimas e confusas informações, para que as teorias com explicações mais estapafúrdias sejam elaboradas.
Como é a própria governanta que nos conta aqueles acontecimentos, em nenhum momento fica claro se tudo o que está ocorrendo é de fato um fenômeno sobrenatural ou se é só piração dela. Nem mesmo o final impactante e ambíguo (do tipo que você volta as páginas para ver se é o que você acha é mesmo) esclarece alguma coisa. Sabe o lance da Capitu e do Bentinho? Tipo aquilo, só que numa versão do capeta.
É assim que se faz terror psicológico, meu amigo.
Sinto um enorme pesar por não ter lido esse livro na adolescência, pois sei que a experiência de leitura teria sido outra, uma vez que agora minha mente já está contaminada com tantos filmes e livros que seguem exatamente esse mesmo modelo. Por conta disso, o impacto dos momentos mais medonhos acabou sendo amenizado.
Ainda assim, antes de dormir, foi meio difícil tirar da cabeça a imagem daquela aparição no lago. Cara, a cena do lago…
Enfim, vai lá. Leia e tenha bons sonhos.
A OUTRA VOLTA DO PARAFUSO | Henry James
Editora: Penguin | Companhia das Letras;
Tradução: Paulo Henriques Britto;
Tamanho: 200 págs.;
Lançamento: Julho, 2011 (edição atual).