Embora o gênero ande em evidência ultimamente, em especial no cinema, o terror não costuma dar as caras na literatura contemporânea brasileira. Há alguns autores conhecidos como Raphael Montes e André Vianco, que conseguiram espaços em grandes editoras, e há, provavelmente, mais uma porrada de gente por aí escrevendo, mas que ainda não achou o seu espaço (ou até achou, mas escreveu uma bosta tipo Horror na Colina de Darrington). Isso é pouco, muito pouco, principalmente se levarmos em conta os trocentos novos livros que chegam às prateleiras todo o mês. Parece que o brasileiro lê pouco, mas escreve e publica pra caralho.
Há um certo ranço ou talvez seja só ignorância com relação à literatura de gênero aqui no Brasil (deve rolar em outros países também, mas aí foge da minha alçada de achismos). Não vemos livros de terror em concursos literários, por exemplo, como se houvesse algum gênero que possui automaticamente mais valor do que o outro, quando na verdade o que temos são livros bons e ruins, independentemente se falam de ditadura militar (tema queridinho da galera da literatura “séria”) ou de mortos-vivos (lembra de Incidente em Antares?). Por mim, poderiam misturar as duas coisas sem problemas.
O escritor gaúcho, que agora mora em São Paulo, Antônio Xerxenesky se meteu aí nessa treta e arriscou um livro de terror também. Porém, diferentemente de Raphael Montes, outro autor publicado pela Companhia das Letras, Xerxenesky não mira exatamente na literatura de entretenimento, o que não seria nenhum problema, já que o livro mais recente de Montes, Jantar Secreto, seguiu por esse caminho e, para mim, foi um dos melhores livros nacionais lançados no ano passado. As Perguntas, publicado recentemente, é um livro que utiliza os diversos elementos do horror, em especial os do universo de H. P. Lovecraft, mas segue por um caminho, digamos, mais sério, pois de certa forma também pretende falar sobre a solidão, inadequação e o luto.
A história fala sobre Alina, uma guria que leva uma vida bem banal, trabalha com edição de vídeo numa produtora de São Paulo e que faz mestrado em religião comparada, se dedicando à pesquisa sobre ocultismo. Sua rotina entediante só é interrompida quando ela é chamada a uma delegacia para ajudar com informações a respeito de um caso bizarro: alguma seita está sequestrando pessoas normais, que passam alguns dias desaparecidas e depois surgem do nada, no meio da rua, completamente malucas. Fora isso, ela precisa lidar com uma questão que a persegue desde a infância: uma sombra misteriosa que parece estar sempre por perto.
As Perguntas, publicado recentemente, é um livro que utiliza os diversos elementos do horror, em especial os do universo de H. P. Lovecraft.
Assustar alguém por escrito é um troço muito difícil de se conseguir, já que o livro não conta com ajuda de efeitos sonoros pra fazer o leitor pular da poltrona. As Perguntas fez eu me assustar duas vezes. Uma no início, num trecho que envolve o computador e que você percebe bem antes que vai dar merda, mas quando de fato acontece é de sentir um calafrio. E o outro momento foi lá para a parte final, quando a protagonista entra numa festa.
Há vários ecos da HQ Providence, do Alan Moore (que se inspirou em H. P. Lovecraft), mas sem o tom enciclopédico hardcore do britânico, pois quem já leu aquilo sabe que mais parece uma tese de doutorado do que uma história em quadrinhos. O lance da investigação do mistério me remeteu um pouco ao excelente Bom dia, Verônica, de Andrea Killmore, já que ali também temos uma mulher comum indo atrás de gente maluca. Já a sombra meio satânica que persegue a personagem lembra muito filmes terror japonês, como Ring (1997) e Espíritos (2004).
A construção inicial é muito boa, tanto na ambientação que nos coloca numa metrópole cheia de gente sozinha, quanto no desenvolvimento da personagem, pela qual sentimos certa identificação, já que ela representa essa geração de millenials que estão na casa dos 30 e não conquistaram bosta nenhuma na vida, trabalhando em empregos que odeiam, enquanto a geração anterior, com a mesma idade, provavelmente já estaria escolhendo uma casa na praia, cuidando dos filhos, vendendo um Corcel II, etc.
O problema de As Perguntas está na segunda metade da obra. Do meio em diante, a história que era narrada em terceira pessoa, passa para a primeira e então tudo começa a ser contado pela própria Alina. O resultado, infelizmente, é bem ruim.
Dá até uma tristeza perceber a história desmoronando, pois até ali as coisas caminhavam tão bem. O enredo começa a ficar esburacado, as ações da personagem passam a não fazer muito sentido e a verossimilhança vai para o espaço. Fica a impressão de que o autor se viu amarrado à ideia de que o mistério precisava ser resolvido todo no mesmo dia e aí passou a encaixar ações estapafúrdias, conexões esdrúxulas, personagens completamente deslocados ou esquecidos e também todas as referências que pesquisou, tudo no mesmo bolo desconjuntado.
Os elementos da narrativa se misturam de maneira muito frágil e sem rumo, tropeçando nas incoerências. A personagem da delegada, uma das mais interessantes, simplesmente desaparece. Os casos das pessoas que enlouquecem, que era algo bem perturbador, também fica pelo caminho. A personagem, que faz mestrado sobre a porra do tema, trata a coisa toda apenas como algo ridículo. Enfim, fica a impressão de que não se sabia muito bem o que fazer com o miolo da história. O final procura deixar mais perguntas do que respostas, mas no fundo só alcança o desinteresse por parte do leitor, que àquela altura já quer que todos os personagens se fodam.
Enfim, As Perguntas parte de uma premissa interessante, passa por uns momentos sinistros, mas termina em algo morno, que não empolga e muito menos assusta. Essa irregularidade prejudica a experiência, mas não a invalida completamente. Como entusiasta do gênero, sempre torço para que novas tentativas surjam.
A literatura argentina, com nomes como Samanta Schweblin e Mariana Enriquez, parece apontar para alguns caminhos interessantes no gênero. Ei, escritores de terror, fiquem de olho nessas moças.
AS PERGUNTAS | Antônio Xerxenesky
Editora: Companhia das Letras;
Tamanho: 184 págs.;
Lançamento: Agosto, 2017.