Para quem se pela de medo de encarar Ulysses, Dublinenses talvez seja uma boa porta de entrada para começar a encarar obra de James Joyce, dada a sua linguagem bem acessível. Inclusive, este me parece um caminho preferível ao da ignorância que em geral toma conta dos discursos daqueles que se esforçam em criticar aquilo que eventualmente nem se deram ao trabalho de ler.
Não vejo problema em não ler e não gostar de alguma obra, tenho disso também, a diferença é que aproveito a oportunidade para me manter calado a respeito daquilo que no fundo desconheço. No caso do Joyce, o que vejo por aí é um esforço em tentar demover qualquer iniciativa de outros leitores que estejam curiosos com a obra: “Nem tente, ninguém consegue entender”, “é insuportável”, etc. Em situações assim, percebo um misto de desserviço e burrice.
Mas enfim, se você manjar um pouco de história da Irlanda, de política, de catolicismo X protestantismo, etc., talvez possa alcançar algumas camadas de leitura mais interessantes (e se não manjar, o Google tá aí para lhe dar uma mão), mas mesmo sem essas informações prévias é possível mergulhar nesta Dublin melancólica que Joyce recriou e sair dali bem deprimido. Sim, é o tipo de livro excelente para ler e lamentar a nossa existência miserável numa quarta-feira à tarde, esperando o ônibus que não chega nunca.
James Joyce não poupa sua terra natal e nos apresenta um retrato um tanto pessimista da cidade e seus habitantes.
Se coletâneas de contos costumam contar com cinco ou seis textos realmente bons e o restante só pra tapar buraco, o mesmo não pode ser dito de Dublinenses, já que a própria cidade acaba funcionando como elemento de coesão que interliga todas as histórias, deixando o livro com carinha de romance com muitos personagens. Creio que lidos de forma isolada, os contos não teriam o mesmo impacto.
James Joyce não poupa sua terra natal e nos apresenta um retrato um tanto pessimista da cidade e seus habitantes, o que nos leva a compreender melhor toda a treta envolvendo o lançamento da obra (esta edição da editora Hedra tem uma introdução e algumas cartas explicando o parto que foi a publicação do livro, tendo em vista as inúmeras censuras que os editores queriam fazer).
São 16 contos, a maioria deles bem curtos, que trazem reflexões a respeito dos costumes locais, da fé, da política, da arte, dos valores familiares, do sexo e da degradação social.
Em “Dois Galãs”, por exemplo, temos uma crítica escancarada à imoralidade dos homens que se adaptam ao teatrinho da alta sociedade, mas que no fundo se comportam como vermes repugnantes, tipo algumas pessoas que você conhece no Facebook.
Já em “Uma pequena nuvem” e “Os mortos”, meus dois contos favoritos, o que temos é uma interessante reflexão sobre como a vida comum, em sua dolorida banalidade, esconde feridas profundas que de quando em quando teimam em doer na memória.
Na maioria dos contos, todos com um ritmo muito preciso e uma linguagem acurada, o que fica é um sentimento de desolação, de falta de esperança, uma vez que o livro foi escrito há mais de um século e continua incomodamente atual.
DUBLINENSES | James Joyce
Editora: Penguin;
Tradução: Caetano W. Galindo;
Tamanho: 280 págs.;
Lançamento: Setembro, 2018.