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‘Jantar Secreto’: prato do dia: arroz, feijão e carne (humana)

Em 'Jantar Secreto', Raphael Montes demonstra um grande amadurecimento de sua prosa, ao contar uma história de horror sobre canibalismo e alta gastronomia.

porEder Alex
14 de dezembro de 2016
em Literatura
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'Jantar Secreto': prato do dia: arroz, feijão e carne (humana)

O autor Raphael Montes. Imagem: Reprodução.

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É provável que na escola você tenha achado meio divertido estudar sobre o famoso bispo Sardinha, aquele que foi devorado pelos índios Caetés após um naufrágio em mil quinhentos e bolinhas de carne. Mas se você já teve a oportunidade de assistir a um filme italiano dos anos 1980 chamado Holocausto Canibal (caso não tenha assistido, sugiro que continue sem assistir para o bem do seu estômago), talvez tenha ficado com uma imagem um pouco perturbadora a respeito desse negócio de índios antropofágicos.

Raphael Montes, autor de O Vilarejo (leia a crítica aqui), reúne em Jantar Secreto, lançado recentemente pela Companhia das Letras, o melhor desses dois mundos: a diversão e o horror. Mas deixemos os bispos e índios devoradores de gente lá no meio do mato, pois este romance se passa nos dias de hoje, em 2016 mesmo, na cidade do Rio de Janeiro.

Quatro jovens do interior do Paraná chegam à cidade maravilhosa para estudar, trabalhar em ótimos empregos e viver uma vida cheia de aventuras e emoções. O que obviamente não acontece, pois eles só tomam no cu e levam uma vida de merda igual à de praticamente todo mundo. Tudo vai tão mal que chega ao ponto em que eles já não têm dinheiro nem para pagar o aluguel do apartamento e então precisam de uma ideia brilhante para sair do fundo do poço. A ideia surge, mas como se trata de um livro do Raphael Montes ela é simplesmente bizarra: preparar um jantar caríssimo para pessoas interessadas em pratos um tanto exóticos, feitos de carne humana.

Para que um bife retirado da bunda de uma pessoa chegue ao prato de outra, com molhos e especiarias, exige-se todo um esforço de logística que envolve comprar e transportar condimentos específicos, encontrar os melhores talheres, assassinar pessoas, transportar o corpo, desmembrá-lo com uma motosserra, guardá-lo num freezer, escolher a louça para servir, enfim, essas coisas do dia a dia de um chef de cozinha.

Os trabalhos anteriores de Raphael Montes são todos divertidos. Eles não são, é claro, recomendados para todo tipo de público.

Haja estômago, meu amigo.

Os trabalhos anteriores de Raphael Montes são todos divertidos. Eles não são, é claro, recomendados para todo tipo de público, já que se trata de literatura de gênero e aí misturam-se muitas questões subjetivas. Tem gente que não suporta os livros do Stephen King, por exemplo (que Deus perdoe essas almas), enquanto outras como eu só faltam ter um altar do cara em casa. Gosto dos 3 livros do Raphael, mas sempre que escrevi sobre eles apontei algumas fragilidades, em geral relacionadas à linguagem. Pois bem, creio que Jantar Secreto representa um salto de qualidade significativo, pois é sem sombra de dúvidas um romance muito mais maduro em comparação com os outros. Fora que o livro é divertido pra caralho.

A história de um grupo de jovens que tenta conseguir dinheiro fazendo alguma cagada e depois lidando com as consequências não é exatamente uma novidade, mas aí quando essa cagada envolve gente rica comendo carne humana e teorias da conspiração, a conversa muda um pouco, pois acho que ninguém tinha tentando isso antes, pelo menos não na literatura brasileira.

Prova de que Raphael amadureceu a sua prosa é a forma bastante segura com que ele desenvolve seus personagens, acertando até mesmo no tom do humor negro, já que não tem como encarar uma história insana dessas de forma sisuda. Os quatro amigos poderiam cair facilmente em estereótipos ou mesmo em discursos forçados, já que temos um administrador gay, um obeso mórbido que manja de computadores, um chef arrogante e um médico cuzão. Mas o autor conduz tão bem esse início, que logo aquelas figuras começam a parecer reais, mais complexas, contraditórias, etc.

Ao trabalhar melhor a linguagem, o escritor torna muito mais rico e crível aquele universo completamente absurdo, ao mesmo tempo em que não precisa cair num tipo de narrativa excessivamente padronizada ou cheia de truques que se aprendem em cursos de escrita criativa, como às vezes ocorre com quem se arrisca nessas paragens. As soluções encontradas para dar dinâmica à história são bem interessantes, há, por exemplo, um trecho ótimo que envolve uma invasão a um hospital e o leitor acompanha toda a ação a partir de mensagens no Whatsapp. É uma das cenas mais tensas e cinematográficas do livro e mesmo assim não foi necessário utilizar um narrador ali. Funcionou muito bem.

Ao optar por um tema tão hardcore, geralmente mais apreciado pelo pessoal que gosta de terror gore, Raphael Montes poderia ter caído no exagero e tornado o livro interessante apenas para um público bem específico, mas preferiu segurar um pouco os momentos de violência ou de nojeira, inserindo elementos da literatura policial a qual ele já está acostumado, para que fosse possível criar um clima que envolvesse o leitor de modo que as explosões de carnificina fossem ainda mais impactantes. O final apoteótico é uma maravilha nesse sentido.

O livro todo é repleto de violência gráfica que remete ao cinema de Quentin Tarantino (inclusive se lançarem um action figure da prostituta segurando uma motosserra amarela, com adesivo de Hello Kitty e do Game of Thrones, eu quero), mas Montes não gasta todas as suas fichas nesse negócio de tentar chocar o leitor fazendo voar sangue das páginas. A narrativa fala muito sobre a falta de rumo da juventude, um tema tão universal quanto atemporal; sacaneia a galera que adota o discurso de sustentabilidade só pra parecer legal; tira sarro da gourmetização (até o MasterChef é citado); e brinca com os leitores dos livros anteriores, soltando uns easter eggs divertidos, principalmente do Dias Perfeitos (se você leu e não achou, releia a página 240 com mais atenção). Todos esses temas são abordados e desenvolvidos a contento, sem que pareça que o autor queira panfletar gratuitamente ou bancar o profundo e ensinar uma lição no meio de uma história de canibais. Quando um discurso assim, sobre hipocrisia da sociedade e luta de classes, por exemplo, escapa de forma tão reducionista, ele sai da boca do narrador em primeira pessoa, que por acaso é tão hipócrita quanto quem ele critica, já que está envolvido até o fim com aquela merda toda.

Enfim, Jantar Secreto é o melhor livro de Raphael Montes, pois consegue contar de forma equilibrada e com uma linguagem consistente uma história que é engraçada em alguns momentos, absolutamente nojenta em outros (do tipo que fará você ficar um tempo sem ir a uma churrascaria) e às vezes aterrorizante. Parece simples, mas não é uma coisa muito fácil arquitetar tudo isso sem que a narrativa pareça apenas absurda e inverossímil.

Há literatura de horror sendo produzida no país, mas pouca coisa chega de fato até os leitores, que precisam ficar garimpando em prateleiras, blogs e sites obscuros. Felizmente, Raphael Montes está aproveitando bem esse espaço raro, na maior casa editorial do país, para levar adiante este gênero que tem tantos fãs por aí. Que o sucesso deste jovem carioca sirva de estímulo para novos escritores, leitores e editores: olha aí, gente, dá pra escrever terror no Brasil, sim.

JANTAR SECRETO | Raphael Montes

Editora: Companhia das Letras;
Tamanho: 376 págs.;
Lançamento: Novembro, 2016.

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Tags: Companhia das LetrasCríticaCrítica LiteráriaJantar SecretoLiteraturaLiteratura BrasileiraLiteratura ContemporâneaLiteratura PolicialO VilarejoRaphael MontesResenhaReviewStephen Kingterror

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