Há algumas obras que detêm o poder de nos conectar com nosso eu do passado. Ler um romance juvenil talvez seja a forma mais rápida de nos transportar, pelo tempo da leitura, àqueles sentimentos que tínhamos em certo momento na vida, que costumam se tornar mais simples (ou pelo menos mais fáceis de lidar) com o passar do tempo.
O Coração Às Vezes Para de Bater, novela teen escrita em 2007 por Adriana Lisboa, me arrebatou pelo título. A imagem do coração que acelera e depois congela é, sem sombra de dúvida, uma sensação que todos nós temos quando a emoção nos assoberba – o que acontece, para a maior parte das pessoas, com mais frequência na adolescência. Apaixonar-se é sentir o coração parar.
O livro acompanha a história de um adolescente solitário prestes a completar 15 anos. O jeito com que ele escreve se assemelha a um diário. Ele fala, a partir de seu olhar sensível, sobre aquilo que mais lhe importa em sua vida. “Antes de mais nada, queria falar do mar. Que é começo de tantas coisas. Dizem que da vida no planeta, inclusive (…). E porque o mar é o começo de tantas coisas pode ser o começo disso aqui também, seja lá o que for. Uma carta para você?”.
A narrativa fluida e poética de Adriana Lisboa nos entrega esta história breve de maneira muito tocante. Sua escrita é marcada por um certo laconismo do protagonista, que fala consigo mesmo mais do que com o amigo que está em coma.
Aos poucos, iremos descobrir para quem o jovem narra a sua vida: para um amigo que conheceu em uma pista de skate. O amigo, contudo, está no hospital, entre a vida e a morte (a premissa da carta para um amigo em coma se repetiria em 2014 no ótimo Luzes de Emergência se Acenderão Automaticamente, de Luiza Gleiser). Irá ele acordar? Uma carta que não é lida pelo seu destinatário é ainda uma carta?
O skate, aliás, logo se revela um símbolo importante em O Coração Às Vezes Para de Bater. A velocidade atingida pelo veículo pode ser vista como uma metáfora da rapidez que o adolescente deseja para si – talvez para escapar desta época da vida, em que tudo parece tão intenso, tocando mais fundo no coração do que parece ser possível suportar.
Da mesma forma, pode ser que ele deseje correr para fugir do seu ambiente familiar que, como sutilmente descobrimos, é permeado pelo caos.
A descoberta do amor
O protagonista, cujo nome jamais descobrimos, enxerga uma possibilidade de outra vida, para além da infelicidade familiar, quando conhece Paloma – que tem nome de pássaro e é a pessoa que lhe deu o skate.
Aos poucos, Paloma vai se tornando a sua possibilidade de amor. O que vai além do desejo sexual – que é o que os adultos, simbolizados aqui pelo seu pai, um homem grosseiro, logo enxergam quando veem dois adolescentes juntos. Paloma, na verdade, se torna para ele uma chance de ter uma convivência familiar mais tranquila, com pais que conversam entre si e filhos que são respeitados.
A narrativa fluida e poética de Adriana Lisboa nos entrega esta história breve de maneira muito tocante. Sua escrita é marcada por um certo laconismo do protagonista, que fala consigo mesmo mais do que com o amigo que está em coma.
Falar sem um interlocutor – eis um fardo que todos nós, seres de linguagens, estamos fadados a carregar. O que também pode ser uma bênção. Como nos lembra o protagonista: “as palavras organizam as coisas. Deve ser por isso que os hindus repetem mantras, para que este mundo pareça mais organizado do que ele realmente é, para que o sentido de tudo dê a impressão de caber espremido em um punhado de letras ou de sons”.
Sem interesse em passar lições de moral ou de confortar o leitor com finais felizes, O Coração Às Vezes Para de Bater é um pequeno grande livro que nos carrega para sentimentos tão intensos quanto sutis. Porque, por vezes – em especial quando se é jovem – faltam palavras para descrever aquilo que faz o coração congelar.
O CORAÇÃO ÀS VEZES PARA DE BATER | Adriana Lisboa
Editora: Maralto;
Tamanho: 80 págs.;
Lançamento: Novembro, 2013.
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