O livro de Zenóbia (Lamparina, 2004), de Maria Esther Maciel, é uma obra que não se rende à classificação corriqueira de gêneros literários. Romance ou poesia? Para contar sobre a vida de Zenóbia – sua infância, seus amores, amizades, paixões culinárias e pela natureza -, Maria Esther Maciel recorre à linguagem poética e conta com o apoio das ilustrações de Elvira Vigna, escritora e artista plástica falecida em 2017.
De Zenóbia nada sabemos, a não ser que tem 82 anos, usa óculos, gosta de plantas, de cozinhar e fazer listas. Teve uma vida como qualquer uma mulher: família, amores, amigas e conviveu com crianças e animais. Se a obra é um romance, a narrativa é menos a de um enredo e mais poética. E a linguagem poética privilegia a descoberta do maravilhoso no cotidiano.
Entrando no desenredo, pode-se entrever uma narrativa fabular: a sobrevivência após o anúncio da morte prevê sua vida miraculosa. Uma das avós prova a menina, com suas maldades, enquanto a outra a encanta e ensina a cozinhar. Duas avós adotadas, uma benzedeira e outra que mora num casarão a ensinam sobre o poder das plantas e sobre a elegância da sisudez.
Em todos os relatos, antevê-se a figuração de arquétipos femininos.
Em todos os relatos, antevê-se a figuração de arquétipos femininos. O entrelaçamento com a natureza, dado pelo legado de antepassadas e outras velhas do universo doméstico. Ao mesmo tempo em que a natureza se apresenta com força primitiva, há um ambiente decadente e caótico, revelado em sonho:
“Nos canteiros daquela casa não havia camélias, rosas, crisântemos ou alpínias. Só ervas daninhas, da serralha ao capim pé-de-galinha. Dentro da casa, os cômodos se dispunham um após o outro, em fila, sendo que um dos quartos ficava entre a cozinha e a sala. Com toalhas de mesa se enxugava o corpo após o banho. Comia-se com o prato no colo, cada pessoa no seu canto. Por todo lado, o lixo se espalhava. E as coisas se perdiam no caos ou no descaso de seus donos. Aquela que fingia estar ali (de costas) era eu, olhando de soslaio para um ponto vago, quase um nada. Como se meu silêncio estivesse à margem daquilo que mais desejava.” (página 37)
Em uma das passagens, a narradora entrega que para a personagem, a lírica e não a crônica, define seu pacto com vida e o sonho. A nota biográfica, posta no fim da obra, esclarece tudo sobre Zenóbia. Mas saber que se tornou bióloga e escreveu livros inéditos acrescenta algo? Apenas que edições cronológicas ou biografias não dão conta de contar sobre as dimensões totais de uma vida em plenitude.
Maria Esther Maciel é professora de Teoria da Literatura e Literatura Comparada da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Suas publicações incluem os seguintes livros: As vertigens da lucidez – poesia e crítica em Octavio Paz; Vôo Transverso – poesia, modernidade e fim do século XX; A memória das coisas ensaios de literatura, cinema e artes plásticas; O cinema enciclopédico de Peter Greenaway (org.), O livro de Zenóbia (ficção), O livro dos nomes (ficção), O animal escrito (ensaio) e As ironias da ordem (ensaios).
O LIVRO DE ZENÓBIA | Maria Esther Maciel
Editora: Lamparina;
Tamanho: 157 págs.;
Lançamento: Janeiro, 2004.