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No potente ‘Triste Tigre’, Neige Sinno investiga a vivência do estupro

Premiada obra da escritora francesa Neige Sinno, 'Triste Tigre' analisa as consequências em sua vida dos estupros que sofreu por anos de seu padrasto.

porMaura Martins
31 de outubro de 2025
em Literatura
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A escritora francesa Neige Sinno em 2023. Imagem: Joel Saget / AFP / Reprodução.

A escritora francesa Neige Sinno em 2023. Imagem: Joel Saget / AFP / Reprodução.

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Para que serve a literatura? E, para quem escreve, quais são os efeitos provocados pela prática que justificam que alguém dedique tanto tempo e energia à meta impossível de traduzir-se em palavras? Obviamente, há várias respostas possíveis, e elas nunca serão definitivas. O livro Triste Tigre (editora Amarcord, 2025, tradução de Mariana Delfini), da escritora francesa Neige Sinno, desafia todas essas questões sem encerrar nenhuma delas.

A história, real, é chocante. Neige (cujo nome significa “neve”) nasceu de um casal de jovens hippies, nos Alpes Franceses, que logo se separaram. Em poucos anos, sua mãe casou novamente com um homem com quem teve mais dois filhos. Da infância até a adolescência, Neige foi estuprada constantemente pelo padrasto. Quando atingiu a maioridade, ela finalmente conseguiu denunciar o sujeito, que foi julgado e preso.

Escrever sobre o que aconteceu é o que lhe resta? A investigação de Triste Tigre é incômoda, mas necessária. Neige quer entender como uma vida é transformada por um trauma como o estupro e, mais do que isso, quer saber o que sente um estuprador. Ela abre assim o livro: “pois para mim também, no fundo o mais interessante parece ser aquilo que se passa na cabeça do carrasco. Na das vítimas é fácil, todo mundo consegue se colocar no lugar delas”.

Como ousa uma vítima se interessar analiticamente pela mente do agressor, de modo a querer entendê-lo? Entender, no caso, não tem a ver exatamente com sentir empatia, mas com entrar em contato com o poder que só a literatura é capaz de proporcionar: a oportunidade de sentir-se outro, de entrar nos sapatos de alguém moralmente execrável. Claramente, não é uma experiência que todas as pessoas almejam.

Mas Neige Sinno quer. Ela resgata, por exemplo, a experiência coletiva provocada pela leitura de Lolita, de Vladimir Nabokov, e o quanto o autor mergulha ali, por meio da narrativa, no ponto de vista do homem pedófilo, em um jogo perigoso, mas também sofisticado. Mas um livro sempre vai além das intenções de seu autor. Não por acaso, na cultura popular, Lolita acabou sendo decodificada como uma sedutora, e não como uma criança abusada por um adulto.

Entretanto, falar sobre abuso sexual é, o tempo todo, tocar no indizível. E poucas coisas deveriam interessar mais a um escritor do que a possibilidade de explorar por palavras aquilo que ainda não pode ser definido.

‘Triste Tigre’ e a complexidade do estupro

Capa da edição brasileira de ‘Triste Tigre’. Imagem: Amarcord / Arte: Escotilha.

Triste Tigre é uma obra extensa e metanarrativa em que uma autora intenta investigar, de maneira caleidoscópica, o que ocorre com uma pessoa que passa por uma experiência horrenda. E, para entender isso, é necessário primeiro jogar luz no algoz, o padrasto que a violou incontáveis vezes.

Neige o descreve como um homem enérgico, carismático, que atua como guia de montanhismo, entre outros empregos eventuais. Ele tem alguma afetividade com as enteadas, os filhos e a esposa, ao mesmo tempo que tem rompantes de intempestividade. O que passa na sua cabeça para ele cruze a linha do desejo proibido e decida estuprar a menina?

A grande questão de Triste Tigre, contudo, volta-se à própria autora: o que resta depois da menina que foi estuprada? Em que medida ela será definida ao resto da vida pelo que lhe aconteceu? E o que significa que ela consiga escrever sobre isso?

A resposta posta no livro por Neige é desconfortável (assim como o fato de que ela, de forma algo desconectada, tope olhar para a sua experiência por este ângulo). Ela escreve: “a maioria dos criminosos inventam para si mesmos histórias que tornam aquilo que eles vivem tolerável. A maioria dos pervertidos dizem a si mesmos que aquilo que eles sentem e fazem tem como origem o amor”.

A justificativa que seu abusador dá para si mesmo (e, mais adiante, repete no tribunal) é que a prática do estupro se motiva pelo fato de que a menina era arisca e agressiva, o que o impedia de amá-la. Mas esse é o raciocínio da mente consciente. Neige desconfia que a fragilidade da criança fascine o estuprador, que vê a inocência e se atrai pela oportunidade de destrui-la.

A grande questão de Triste Tigre, contudo, volta-se à própria autora: o que resta depois da menina que foi estuprada? Em que medida ela será definida ao resto da vida pelo que lhe aconteceu? E o que significa que ela consiga escrever sobre isso? Vicejou na literatura, por séculos, a ideia de que um escritor só teria qualidade à medida em que seria “ferido” pela vida – seja por ter vivenciado tragédias, seja por ter embarcado em aventuras loucas.

A autora empresta a famosa frase de Antonin Artaud (“ninguém alguma vez escreveu ou pintou, esculpiu, modelou, construiu ou inventou senão para sair do inferno”) para subverter o argumento: só consegue escrever quem já saiu de lá. O sofrimento puro, nessa visão, não é o que possibilita a literatura, mas justamente o que a impede.

Mas a questão central deste livro sempre permanece: estará a pessoa que foi estuprada afetada para sempre, damaged for life? Mais uma vez, não há respostas simples nem definitivas. Contudo, Neige Sinno dá algumas pistas, como o apreço que demonstra à postura de Virginie Despentes (que fala sobre o próprio estupro em Teoria King Kong): ter a coragem e a audácia de se recuperar e não aceitar ser destruída; considerar o estupro como “um risco que se corre para ser livre. A partir do momento que se quer viver um pouco, é preciso aceitar a possibilidade do infortúnio. E, se isso acontecer, levanta-te e anda”.

Obviamente, isso não se aplica à experiência de Neige criança, que não optou por viver um pouco. Nem justifica o fato de que a vergonha cai sempre mais sobre a vítima do estupro do que sobre o estuprador (e está aí o caso de Gisèle Pelicot, que luta em público bravamente contra esse estigma da vergonha). Ainda assim, transparece ao longo das páginas de Triste Tigre a força de quem foi tocada pela escuridão e retornou com algum tipo de poder. É uma ideia polêmica, mas necessária. Um livraço.

TRISTE TIGRE | Neige Sinno

Editora: Amarcord;
Tradução: Mariana Delfini;
Tamanho: 288 págs.;
Lançamento: Agosto, 2025.

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Tags: AmacordLiteraturaLiteratura FrancesaNeige SinnoTriste Tigre

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