A reflexão sobre doenças na literatura é algo bastante plural. Em um levantamento rápido, podemos destacar Não era você quem eu esperava, livro em que Fabien Toulmé conta sua experiência de amadurecimento enquanto pai que descobre ter um filho com Síndrome de Down. Quase na mesma linha, Luiz Fernando Vianna conta histórias de companheirismo entre ele e seu filho autista em Meu Menino Vadio.
Às vezes, esses relatos se unem a um fator inevitável e comum em todas as vidas: a velhice. Esse detalhe humaniza e aproxima o leitor ao contexto (que pode até ser um tanto distante). É isso que liga o leitor às reflexões de Harold Fry por seu caminho até sua amiga com câncer em A improvável jornada de Harold Fry, de Rachel Joyce, por exemplo.
Da mesma forma, é unindo a velhice e às experiências com o mal de Alzheimer em uma narrativa crua e um tanto pesada que Bia Barros nos apresenta em Madalena, Alice, livro publicado pela editora Nós em 2018, a relação entre duas mulheres.
Madalena e Alice são mãe e filha, respectivamente, que passam a lidar com a situação de cuidados com uma idosa com Alzheimer. Acompanhamos esses relatos em dois momentos distintos, duas partes do livro que geram um projeto gráfico interessante. Cada uma delas está em uma orientação diferente – ou seja, uma delas sempre está de ponta-cabeça e começando na contracapa.
Dessa forma, seguindo a recomendação da autora, começa-se com o relato de Madalena. Bia procura emular uma narradora permeada pela confusão do Alzheimer, uma senhora esfacelada e marcada por diversos abandonos. Acompanhamos uma complexidade e uma desconexão gradativa, em que tempos passados, presentes e imaginários se unem e compõem um cenário angustiante.
O livro é um retrato cru, ainda que poético, dessas duas mulheres sozinhas e abandonadas, buscando uma mão para segurar e tentando estabelecer vínculos – seja com a realidade, entre si ou com novas pessoas.
Na segunda parte, a voz de Alice resgata e explica os acontecimentos vistos pela visão distorcida de Madalena. Mas no fim, por mais que juntemos os cacos daquela narrativa esfacelada, percebemos que Alice está tão abandonada e vitimada quanto sua mãe e o retrato se torna completo ao mostrar como a doença afeta aos que ficam de fora.
Em uma entrevista ao programa Audiobook da rádio CBN, Bia Barros explicou suas inspirações para o livro. Ela comentou que teve experiências e colheu relatos sobre mulheres que lidavam com essa situação, principalmente pela autora ter cuidado de uma mãe com Alzheimer.
Bia percebeu a construção de uma “rede de mulheres que vivem em função de parentes doentes”, as cuidadoras. De um modo ou de outro, todas essas mulheres acabam tendo histórias parecidas. Bia transportou essas histórias para dentro de Madalena, Alice.
Ali, visualizamos o que ela chamou de “processo violento de pauperização”. Pela necessidade extrema de cuidar do parente enfermo, as mulheres acabam largando empregos e oportunidades profissionais ou que geram renda para a dedicação exclusiva ao paciente doente. Essa situação, aos poucos, se torna uma bola de neve.
Soma-se a isso a série de abandonos que as cuidadoras e as pacientes vivem. Muitas vezes, maridos, filhos ou pais deixam seus familiares por acharem a situação muito extenuante. Vemos isso no livro. O pai e o irmão de Alice abandonam as duas – ainda que em momentos distintos – e as deixam exauridas, financeira e emocionalmente. É uma história de derrocadas.
O livro é um retrato cru, ainda que poético, dessas duas mulheres sozinhas e abandonadas, buscando uma mão para segurar e tentando estabelecer vínculos – seja com a realidade, entre si ou com novas pessoas.
MADALENA, ALICE | Bia Barros
Editora: Nós;
Tamanho: 176 págs.;
Lançamento: Agosto, 2018.