O Prêmio Camões, recém-entregue a Raduan Nassar, volta a iluminar um dos grandes escritores contemporâneos. Aos 80 anos, Raduan estava vivendo mais de seu próprio mito que de sua produção literária – minguada mas de peso. Lavoura Arcaica (1975) e Um Copo de Cólera (1978) formam, ao lado do quase esquecido volume de contos Menina a Caminho (1997), toda a sua herança literária.
Como o escritor norte-americano J. D. Salinger, Nassar preferiu abandonar a mise en scène exigida pelas grandes editoras e circuitos da literatura. Mas ao contrário do autor de O Apanhador no Campo de Centeio, o brasileiro se configura como alguém além da mitologia que o ronda. Se Salinger se escondeu atrás de sua ausência, Raduan Nassar usa suas poucas aparições para fortalecer a obra que construiu.
Em uma entrevista, disponível no site do Instituto Moreira Salles, o autor releva não saber o porquê se afastou da literatura – embora ela o persiga há quatro décadas. Com Rimbaud ou Rossini, Raduan deixou de lado a arte para viver uma vida civil, normal, sem a necessidade dos arroubos criativos. “O projeto era escrever, não ia além disso. Dei conta de repente de que gostava de palavras, de que queria mexer com palavras. Não só com a casca delas, mas com a gema também. Achava que isso bastava”, explicou.
Nem mesmo as adaptações para o cinema de Lavoura arcaica e Um Copo de cólera homenagearam as obras como elas mereciam. Portanto, era preciso um prêmio.
Como Dalton Trevisan, outro outsider, Raduan não fez alarde do Camões. Agradeceu em silêncio e isso bastou. “Eu abandonei a literatura há mais de 30 anos. Nunca mais escrevi uma linha, nunca mais vou voltar a escrever”, disparou o paulistano certa vez. No fim das contas, o que há de futuro na literatura – no fazer literário, melhor dizendo – de Raduan Nassar não importante, afinal o que está feito já é o bastante.
Existe, obviamente, um quê de saudosismo – algo praticamente inevitável –, mas também há uma iluminação sobre o autor que há tempos não se via. Nem mesmo as adaptações para o cinema de Lavoura arcaica e Um Copo de cólera homenagearam as obras como elas mereciam. Portanto, era preciso um prêmio.
A Tragédia
“Através da ficção, o autor revela, no universo da sua obra, a complexidade das relações humanas em planos dificilmente acessíveis a outros modos do discurso”, justificou o júri para a escolha de Nassar. Ainda que o motivo pareça genérico, já que boa parte da literatura mundial se coloca nessa função, ver um nome brasileiro novamente no Camões enche o nosso peito com um pouco de esperança – uma esperança que não chega a soterrar o renascimento da tragédia que assistimos de camarote diariamente, mas que funciona como um breve alento.