“Ao vencedor, as batatas!”. Quincas Borba, personagem icônico de Machado de Assis, nunca pareceu tão atual diante do cenário político e eleitoral brasileiro. Os Buracos, segundo romance do escritor catarinense Giovanni Arceno, parte das trevas que rondam a democracia para criar um espetáculo bizarro e muitíssimo realista.
Alexandre Darlan é um publicitário da Cidade Grande que é convidado para ser o responsável pela campanha peemedebista na pequena Maruma. Sua honra tem um preço: R$ 50 mil. Arceno constrói, capítulo a capítulo, uma experiência devastadora para o leitor: forma e conteúdo se fundem para apresentar a emulação perfeita do cinismo que envolve a criação da imagem de candidatos e candidatas.
Se Vitória, obra de estreia do autor, é idealista e trata do luto com certa naturalidade, Os Buracos é um livro amadurecido, cheio de contrastes e que deixa claro a falta de reflexão quando o assunto é política. Tudo se resume a estratégias e estratagemas para fazer alguns acenderem e outros despencarem. A queda – a danação – permeia todo o romance. É possível sentir o cheiro da desgraça que acometerá os personagens.
Arceno acerta a mão no seu retrato. Acerta até demais. Esperemos que ele perca o sentido o mais rápido possível.
Saul e Henrique, candidatos do PMDB à prefeitura da cidade e responsáveis pela contratação de Darlan, não são os sujeitos simplórios que se imagina. Envoltos na campanha – e nas tramoias – para descambar João José, que tenta a reeleição, deverão acertar as contas com o passado – e com o futuro.
Twin Peaks
O protagonista de Arceno é quase inocente em tudo: observa com certa calma, demasiada até, sem interferir no curso das coisas.
“Ninguém entrou no bar desde que começou nossa reunião. A porta está semiaberta, como se o Belo tivesse aberto o local exclusivamente para nós. Ele continua no balcão, mexendo no celular e atendendo as chamadas que Paulão faz para trazer mais cerveja.”
Como se Maruma fosse uma Twin Peaks menos metafísica, a cidade recebe Darlan de braços abertos, como se representasse o progresso. O jogo se torna mais e mais perigoso, enredando o publicitário em algo que não se sabe, exatamente, onde vai chegar.
“Tenho vontade de ver o que a disposição da cidade criou de ontem para hoje, se já temos uma dúzia de bandeiras-vermelhas-Saul-assassino espalhadas pelas ruas, se as mensagens, as discussões estão efervescentes, mas hesito e desconecto o notebook do wi-fi do hotel.”
O leitor precisa estar atento às pistas que o escritor joga. Nada está no livro por acaso e o quebra-cabeça se monta desde a primeira página. Cada linha faz sentido no todo, algo que a literatura prece ter perdido recentemente. Arceno acerta a mão no seu retrato. Acerta até demais. Esperemos que ele perca o sentido o mais rápido possível.
OS BURACOS | Giovanni Arceno
Editora: e-galáxia;
Lançamento: Junho, 2018.
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