Pouco se sabe sobre François Villon (1431). A introdução escrita por Péricles Eugênio da Silva Ramos para Balada dos enforcados e outros poemas (Hedra, 2008) informa-nos que Villon é considerado o primeiro poeta moderno da França e que, em sua biografia, acumulam-se crimes e prisões. Participou de roubos, foi acusado de homicídios. Uma vida conturbada e uma morte da qual nada se sabe: sabe-se que não morreu enforcado em 1463.
A poesia de Villon apresenta alguns temas típicos da mentalidade medieval. Chamo atenção, especialmente, à morte. Nós afastamos a morte. Morre-se no hospital, na UTI, em ambientes teoricamente assépticos, com aparelhos de nomes dificilmente pronunciáveis apitando ao redor.
Nos poemas de Villon, vemos o tempo passar e perguntas derivadas do famoso ubi est? Onde está?
“Que é daqueles joviais rapazes
que em tempos idos eu seguia
tão bons cantores, tão loquazes,
gentis em ato e em palraria?
A alguns a morte silencia,
deles já nada existe mais:
tenham no céu paz e alegria,
e salve Deus todos os mais!
[…]
O sábio e o tolo, o rico e o pobre,
o padre e o leigo, o dadivoso,
e o avarento, o vilão e o nobre,
o grande ou não, feio e formoso,
damas-colete generoso,
pouco importando a condição,
chapéu burguês ou fidalgoso,
a morte os leva sem exceção.”
(de “Onde estão os joviais rapazes”).

Não parece ser necessário explicar alguma imagem que o poeta tenha plasmado em sua obra. Ela, apesar do vocabulário algo arcaizante, é bastante clara.
Não parece ser necessário explicar alguma imagem que o poeta tenha plasmado em sua obra. Ela, apesar do vocabulário algo arcaizante, é bastante clara: “vai todo mundo morrer”. Nas artes pictóricas, a “Dança Macabra” era um tema bastante comum. Uma das Danças Macabras mais conhecidas modernamente é a última cena de O Sétimo Selo (1956), do grande diretor sueco Ingmar Bergman.
“Onde será Calisto procurado,
terceiro em nome e último finado,
que esteve quatro anos no papado?
Alfonso de Aragão, rei afamado,
o duque de Bourbon, tão gracioso,
e Artur, que da Bretanha houve o Ducado,
e Carlos sétimo, de bom chamado?
Mas onde Carlos Magno, o denodado?
[…]
De falar neste assunto já me enfado;
o mundo, tenho-o uma ilusão julgado.
Ninguém existe que resista ao fato,
ou tenha proteção contra o imperioso.”
(de “Balada dos senhores dos tempos idos”).
Morreram todos. Convém lembrar que a morte e a tolice são perfeitamente “democráticas”.
“Para todos o mundo tem final,
pense o que bem pensar rico ladrão:
a espada pende sobre nós, mortal.”
(de “O Testamento XLII-XLVI”).
O discurso moralizador parece, aqui, evidente. A mortal espada (de Dâmocles?) paira sobre nossas cabeças, sejamos ricos ou pobres (a velhinha sempre vem…)
Villon deve ser lido com calma, com vagar e sem pressa. Rende alguma risada, a depender do humor de quem lê. Porém, ao encerrar a leitura de seus poemas, pode-se sentir a passagem do tempo. Com sorte, servirá para aproveitá-lo melhor. Com azar, apenas para azedar o humor.
Vale a pena a aposta.
Encerro ainda com um trecho:
“Pelo coleto o gibão sei de alguém,
o monge sei pelo hábito que usar,
[…]
o trapaceiro, pelo linguajar,
o louco, pois de creme faz festim,
pelo tonel o vinho sei notar,
tudo conheço, caso exclua a mim.”
(de “Balada das pequenas falas”).