O jornalista Nate DiMeo é um veterano do rádio nos Estados Unidos, com passagem por emissoras de Los Angeles – onde vive atualmente, Boston, e até mesmo China, além de ter no currículo o cargo de repórter de cultura pop da NPR. Em 2008, criou o podcast The Memory Palace, que se dedica a contar, em programas de até 10 minutos, histórias de gente comum da virada dos séculos XIX e XX que, aparentemente, passaram desapercebidas pelos historiadores. Um dos 200 mil ouvintes regulares de DiMeo, o professor e tradutor curitibano Caetano Galindo, reuniu alguns dos seus episódios preferidos para formar o livro O Palácio da Memória.
O projeto, que é uma jornada pessoal dupla, do organizador-tradutor e do também do criador, é uma espécie de história não contada da História: revelando ao leitor passagens da vida de Samuel Finley Breese Morse que, depois de ficar viúvo, passou quase 50 anos desenvolvendo o código que levaria seu sobrenome; as irmãs Kate e Margaret Fox, envolvidas em uma fraude de paranormalidade; ou George Brown, homem que foi vendo a família ser dizimada pouco a pouco por uma peste misteriosa.
O que poderia considerado banal ganha as luzes da ribalta. Inspirado por outro podcast de peso nos EUA, o This American Life, que tem uma grande produção de pesquisa e reportagem, chegando a obter mais de dois milhões de downloads de cada episódio. Ao contrário do congênere, tem uma estrutura enxuta e que pode ser resumida em um exército de homem só. Cada um dos relatos demonstra o quão habilidoso é o podcaster na arte de narrar. Em parte, o sucesso de The Memory Palace se dá pela empatia e pela conexão que cria com o público.
“Eu sou um onívoro cultural. Eu leio muitos romances, vejo muitos filmes, muita TV, assisto a muito basquete e acho que há informação histórica em todos os lugares. Seja em um site noticioso, seja no pé de página de um romance, sempre tem algum caso que salta aos olhos. Eu não saio muito à procura das histórias, na verdade. O processo é: eu vou anotando as coisas interessantes que me chamam atenção – naquele app de notas do iPhone. E então quando algo no mundo me afeta, a forma como pais e filhas interagem, por exemplo, eu procuro conexão disso com as ideias que anotei para construir uma história. Aí começa a pesquisa mais intensa sobre os fatos históricos de uma anedota. Essa parte pode ser bem trabalhosa, porque não há uma verdade única”, revelou ao jornal Nexo sobre o seu processo criativo.
O storytelling de DiMeo é perfeito e com direito a plot twist – como no caso do saltador de, após diversos saltos bem-sucedidos – acaba morrendo e se transformando em uma lenda digna de ‘fulano não morreu’.
Os assuntos que perpassam O Palácio da Memória vão de questões familiares triviais a crimes brutais. DiMeo explora os temas e os relatos de uma forma única: lapidando os fatos até deixá-los mínimos, como bonsais.
Jornalismo literário
O Palácio da Memória traz à tona uma nova discussão sobre o fazer jornalismo literário e a lição dada por Cortázar de que um conto deve vencer o leitor por nocaute – e DiMeo parece tê-la aprendido muito bem. Ao mesmo tempo, há uma forte ligação com Truman Capote, que ajudou a dar cara o novo jornalismo com seu clássico A Sangue Frio – que narra o assassinato brutal da família Clutter, no estado do Kansas no final da década de 1950.
O storytelling de DiMeo é perfeito e com direito a plot twist – como no caso do saltador de, após diversos saltos bem-sucedidos, acaba morrendo e se transformando em uma lenda digna de “fulano não morreu”. Entretanto, de acordo com o jornalista, contar histórias não é novidade na imprensa norte-americana. “Há uma tradição forte nos Estados Unidos, já do jornalismo impresso, de escrita criativa não ficcional. A inovação do This American Life foi pegar essa tradição e aplicar no rádio. E também pegar uma tradição, que gente como Studs Terkel começou, de aplicar o rigor de apuração e escrita do jornalismo literário para contar as histórias de pessoas comuns, que não estão no poder”, explicou na mesma entrevista.
Lá fora, iniciativas como o Radiolab e Serial são referências na transmissão de narrativas não ficcionais. No Brasil, esse tipo de podcast também tenha ganhado força e um dos destaques do gênero é curitibano Ivan Mizanzuk com o Projeto Humanos. Para Caetano Galindo, no posfácio de O Palácio da Memória, o segredo de DiMeo está no discurso afinado e certeiro, capaz de prender o ouvinte/leitor por 10 minutos/três páginas.
[box type=”info” align=”” class=”” width=””]O PALÁCIO DA MEMÓRIA | Nate DiMeo
Editora: Todavia;
Tradução: Caetano W. Galindo;
Tamanho: 256 págs.;
Lançamento: Junho, 2017.
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