É inegável que parecemos viver um espelhamento do entre guerras do início do século passado. A ascensão cada vez mais proeminente de grupos conservadores e a radicalização do discurso são apenas duas peças desse grande quebra-cabeça político que tem se armado na última década. No Brasil, o ponto-chave dessa virada foram as Jornadas de Junho de 2013 e, posteriormente, a reeleição e o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Esses foram os gatilhos que permitiram que o trem descarrilasse até mergulhar na escolha de Jair Bolsonaro como chefe do executivo em 2018.
Em Sobre o exílio, Joseph Brodsky (1940 – 1996), Nobel de Literatura em 1987, explora as nuances do fechamento das cortinas sociais e econômicas que a maioria dos países experimenta em algum momento de sua história.
O russo parte da sua própria vivência como escritor exilado para compor um mosaico do estranhamento e da inadequação. Depois que deixou São Petersburgo em 1972, passou a viver em Nova York e jamais retornou ao seu país. Para além do fascismo, o livro navega pelos mares tortuosos de diversos exemplos autoritários e faz uma importante reflexão sobre passado, presente e futuro.
Dividido em três ensaios – “A Condição chamada exílio”, “’Uma face comum’” e “Discurso de aceitação” –, Sobre o exílio é um olhar profundo sobre o não lugar perpétuo. Como nas metafisicas de Pessoa (1888 – 1935), Brodsky enxergue o homem exilado como alguém em constante flutuação. Ao mesmo tempo, e remetendo mais uma vez ao poeta português, leva consigo um não ter nada e não poder ser nada e, ainda assim, tentar sonhar.
Se, como disse Adorno (1903 – 1969), não poderia haver poesia após Auschwitz, para o escritor russo é impossível que o exiliado consiga novamente sentir-se em casa.
Diante desse enigma insolúvel que é o exílio, Brodsky faz paralelos entre as atrocidades cometidas pelos movimentos de extrema direita na Europa, a partir dos anos 1930, e a barbárie do regime comunista russo – que só acabaria com a queda do Muro de Berlim em 1988. Para o autor de Marca d’água, a condição de exilado é perpétua, não alivia à medida em que os anos passam e, talvez, não se dilua quando aquele que foi exilado volta para casa.
Por isso, para Brodsky a condição de exílio é a mesma de um livro não lido na prateleira de uma livraria ou biblioteca. Da mesma maneira, o sujeito exilado está alijado da compreensão e da possibilidade de ser lido pelo outro, o outro que o acolhe. É um tal “ficar perdido na prateleira entre aqueles que você tem em comum apenas a primeira letra do sobrenome”. Nesse sentido, tanto quem deixou a Europa com a chegada do fascismo no poder quanto quem abandonou a União Soviética ou quem precisou sair do Brasil – como a escritora Márcia Tiburi – carrega, como afirma um dos ensaios, uma face comum.
Toda vez que alguém precisa sair de seu próprio país de forma compulsória, para nunca mais voltar e regressar apenas muito tempo depois, quem perde é a nação, que se enfraquece e permite que se crie um abismo. Brodsky, com muita clareza, faz um retrato atemporal do absurdo do autoritarismo. Se, como disse Adorno (1903 – 1969), não poderia haver poesia após Auschwitz, para o escritor russo é impossível que o exilado consiga novamente sentir-se em casa.
SOBRE O EXÍLIO | Joseph Brodsky
Editora: Âyiné;
Tradução: Denise Bottmann
Tamanho: 72 págs.;
Lançamento: Janeiro, 2016.