O clima no saguão do Teatro Positivo era o de uma noite quente de verão de dezembro. Embora o público estivesse encasacado por causa dos 15 ºC que fazia na cidade, havia gente preparada para o samba, o rock, o funk, o maracatu e todas os ritmos presentes no auê musical inventado por Jorge Ben Jor. Ainda que o show do cantor fosse uma homenagem ao dia das mães, exclusivo para alguns clientes do Shopping Curitiba, na capital paranaense, o público era bastante diversificado, indo de mães empolgadas, homens de meia idade um pouco travados e até adolescentes inspirados, que embora não tivessem nem nascido na época em que Ben Jor despontou no cenário musical, sabiam todas as músicas e a história de vida do cantor.
Comportados, o público senta e aguarda. Às 20h45, Jorge Ben Jor entra com seu característico óculos escuro, acompanhado pela Banda do Zé Pretinho. Não fala muito, dá boa noite e começa a cantar “Jorge da Capadócia” (Eu estou vestido com as roupas e as armas de Jorge / Para que meus inimigos tenham pés, não me alcancem), emendando com “Salve Simpatia” (Para animar a festa), “Santa Clara Clareou” e “A Minha Menina”. Nessa hora, o teatro nem precisava mais de cadeiras. O público, quase todo de pé, sambava. Alguns tímidos ainda sentados se balançavam inquietos, meio que encantados com o carnaval fora de época dentro do teatro.
Com 27 discos lançados entre 1963 e e 2007, Ben Jor passeia à vontade por sua discografia, certo de que sua música basta. Assim, não há espaço para muito papo entre artista e plateia, o que não se faz necessário. Com 71 anos e uma leveza que impressiona, Jorge Ben Jor conduz sua guitarra com a mesma segurança com a qual conduz a plateia. Interação mesmo ele tem com sua banda, formada por Lucas Fernandes (bateria), Lourival Costa (teclados), Neném da Cuíca e Dadi Carvalho (baixo), Marlon Sete (trompete) e Jean Arnout (saxofone).
Alguns tímidos ainda sentados se balançavam inquietos, meio que encantados com o carnaval fora de época.
Os poucos ainda sentados agora se levantam quando Jorge Ben inicia “Mas Que Nada”, do álbum Samba Esquema Novo (1963), e “Os Alquimistas Estão Chegando”, do disco A Tábua de Esmeralda (1974). As mães ganham destaque quando o cantor recita versos do poeta alagoano Jorge de Lima (“Você está aqui, quando não está aqui / E quando está aqui, está aqui duas vezes / Uma no meu coração e na outra vez também / Porque você é o meu amor). Logo depois, emenda a jovial “Quero Toda Noite”, parceria sua com o cantor Fiuk.
Após uma breve pausa, com direto a um belo solo de teclado de Lourival Costa, Jorge Ben Jor volta todo de branco e canta as músicas radiofônicas que fizeram dele respeitado da periferia à elite. O teatro parecia invadido por uma escola de samba. Jorge Ben vai de canções sobre amor, sobre a dor de um rompimento, sobre a boemia carioca até os hits nacionais gravados na memória poética e nos carnavais.
E embora suas músicas sejam tão rítmicas que fique um pouco difícil prestar atenção na genialidade da letra, Ben Jor continua prestando um serviço importantíssimo à música brasileira para a construção de uma sociedade com tanta necessidade de pluralidade. Associando religião, alquimia, futebol e crônicas do cotidiano, o músico homenageia a cultura negra e a engrandece em cada verso.
A festa disfarçada de show dura mais de duas horas e não cansa. No final, após enlouquecer o público com “W/Brasil”, “Chove Chuva”, “Fio Maravilha” e “País Tropical”, Jorge Ben Jor vai encerrando o show com “Gostosa”, “Taj Mahal” e a “Banda do Zè Pretinho”. Nessa hora, cerca de 20 meninas sobem ao palco para animar a festa do cantor. Ao contrário do que se pode esperar de um show comportado dentro de um teatro, Jorge Ben samba junto, deixa as moças cantarolarem ao microfone, canta parabéns para a Flávia e entrega uma faixa para uma mãe. É quase como se estivéssemos no churrasco de um amigo, maravilhados com o ritmo singular criado pelo músico. Suas tantas canções, com mais 50 anos, não envelhecem nem por um segundo. A eternidade, para alguns, é possível.
Em tempo, o pessoal do camarote parecia um pouco tímido, parecendo ansioso para participar da festa lá embaixo. É que Jorge Ben Jor não foi feito para camarotes.