Donald Glover parece ter acertado a mão inúmeras vezes ao longo dos últimos meses. Além de emplacar uma das melhores séries de 2016, a vencedora do Globo de Ouro Atlanta, e tantas colaborações com grandes rappers, ele finalmente chegou ao ponto alto de sua carreira musical com Awaken, My Love!, terceiro álbum de seu projeto musical chamado Childish Gambino.
No disco, Glover se aventura em áreas anteriormente não navegadas, um passo ligeiramente arriscado que deu certo. Entretanto, é necessário afirmar que o disco é muito menos rap que seus anteriores, Camp (2011) e Because the Internet (2013), trazendo nuances do pop atual e muito funk, o que lhe confere uma roupagem mais sensual, uma química perfeita para as pistas.
Ter menos rap não configura o sumiço da assinatura típica de Childish Gambino (a saber: as inteligentes metáforas disparadas em suas canções). Com 11 faixas, o álbum leva assinaturas de Ludwig Göransson e do próprio Glover na produção. Os novos elementos de funk trazidos pela dupla para não fazem com que ele seja unicamente um disco de funk, já que Childish Gambino também apresenta influências de outros grandes artistas na construção do álbum, como George Clinton, Rick James, Prince e Jimi Hendrix, sendo até mesmo possível apontá-lo como uma fusão de funk rock e R&B.
![childish gambino donald glover](http://www.aescotilha.com.br/wp-content/uploads/2017/03/childish-gambino-redbone-1024x420.jpg)
Leia mais:
» A chegada de Prince ao Spotify reacende antigos debates na indústria da música
» Não há ninguém como Frank Ocean
O primeiro single do álbum, e também primeira faixa do registro, é “Me and Your Mama”, a canção que mais se aproxima do formato a que estamos acostumados no hip hop contemporâneo. Grande parte das canções tratam questões típicas da música pop contemporânea como ódio, problemas afetivos e relacionamentos, além de convocar as pessoas a que se unam, tal como em “Have Some Love”. Nela, Glover pede que todos os seus brothers sejam gentis e se confraternizem.
A sonoridade flutuante entre os anos 70 e 80 podem até ser acusadas de pouco originais, mas inegavelmente o cantor faz delas seu melhor registro
“Riot”, a mais roqueira do disco, apresenta temática ligeiramente maniqueísta, um embate entre o bem, representado por pessoas comuns, contra o mal, aquelas pessoas que fazem de tudo para subir na vida, inclusive pisar nos outros. “Redbone” é sensual, ardente, e onde Childish Gambino aproveita para fazer experimentações vocais, criando um funk com alma. Há um certo exagero no trabalho feito em cima da linha vocal dele, chegando a causar dúvida de que se trata realmente da voz do cantor – a primeira vez que ouvi, cogitei que fosse Macy Gray cantando. É certamente a melhor música de Awaken, My Love!, desde os arranjos até os samplers utilizados.
Quem quiser relembrar Prince pode recorrer à faixa “Terrified”, na qual uma aura de influência percorre o cantor. O mix entre o órgão e os riffs de guitarra conferem solidez à canção, outra com potencial certo para as pistas. A letra também marca a identidade de Gambino, que mostra que suas metáforas de duplo sentido não foram esquecidas.
Childish Gambino, ou Donald Glover, descarrega no ouvinte uma tonelada de criatividade. A sonoridade flutuante entre os anos 70 e 80 podem até ser acusadas de pouco originais, mas inegavelmente o cantor faz delas seu melhor registro, resgatando timbres e gêneros que nem sempre são bem trabalhados no hip hop. Em Awaken, My Love!, eles aparecem para nos guiar para a pista, para um ambiente não necessariamente íntimo, porém mágico.