Nascida em uma família de artistas no Mato Grosso do Sul, Tetê Espíndola gravou seu nome na história como a dona de uma das vozes mais originais da música brasileira. Mas a carreira nasceu ainda pequena ao lado dos irmãos: em 1968, com permissão dos pais, eles formaram o grupo LuzAzul e passaram a executar cantar na estrada.
Em 1977, Tetê Espíndola chega em São Paulo, cidade na qual construiu sua vida e sua carreira, participando da chamada vanguarda paulista, junto a nomes como Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, Ná Ozzetti, Grupo Rumo e Língua de Trapo. Mas muitas parcerias também foram feitas com o compositor Arnaldo Black, com quem se casou e teve dois filhos: a cineasta Patrícia Black e o também cantor e guitarrista Dani Black.
Hoje, aos 69 anos, a cantora segue produtiva e criando seus caminhos na arte. Conversamos com Tetê – que estará em Curitiba para três shows na Caixa Cultural – sobre sua carreira, sua voz delicada e potente e sobre as reinvenções enfrentadas pelos artistas durante a pandemia.
Escotilha » Tetê, você é uma cantora com mais de quarenta anos de carreira e que continua sempre se renovando, criando músicas novas e se aventurando em novos espaços. Ao que você acha que se deve a sua capacidade de seguir sempre criativa?
Tetê Espíndola » É somente dar atenção à nossa curiosidade natural com a vida. Dar corda pra isso, sabe. Estou sempre ligada nas surpresas que o mundo interior e mundo afora nos traz no dia a dia. Aí isso também se reproduz nas procuras musicais, buscando sempre um novo viés para melodias, harmonias, letras e sons. Sempre tive esse perfil de artista múltipla, então está em mim, é só seguir a correnteza…
Você vem de uma família de artistas, e foi presenteada com uma voz magnífica. Na sua trajetória, houve algum momento a vontade de seguir uma carreira mais “tradicional”, digamos, ou sempre foi natural seguir o caminho da arte?
Verdade, a voz sempre me encaminhou para a arte, com mais intensidade desde a adolescência, quando comecei a cantar, participar dos primeiros festivais regionais. Mas tem o ouvido também, experiências da infância, teve meus tios trigêmeos, concertistas de piano na música clássica. Eu já ficava ali no pé do piano, bem criancinha, ouvindo a trinca. Depois minha mãe, com alma de artista, sempre cantando as grandes canções do rádio. Uma coisa incrível que minha mãe me contou: pouco antes do meu nascimento, ela ouviu na barriga o som da minha voz!
Você já se definiu em certo momento como uma artista “multivoz”, ao invés de multi-instrumentista. Como é a relação com esse seu potente instrumento de trabalho? Como você cuida e trabalha a sua voz?
A craviola chegou para mim através do meu irmão Geraldo. Ele um grande compositor, sempre fazíamos som juntos. A craviola era um instrumento novíssimo, desenvolvido pelo Paulinho Nogueira. Eu me apaixonei pelo timbre, colava direitinho com minha voz. O Geraldo ganhou a craviola do tio Erasmo, brincou com ela um pouco, mas curtia mesmo o violão. Afinal, a craviola ficou na minha mão e nunca mais saiu. Quanto à voz, tenho sempre que estar cuidando, fazendo exercícios de aquecimento, especialmente em dias de show.
Seu novo show é em parceira com o compositor Arnaldo Black, com quem você compartilha a vida, o trabalho e os filhos. Como é manter uma parceria em tantos anos? E como é trabalhar com seus filhos e vê-los seguir rumos artísticos?
“A internet e as redes sociais ajudam muito a gente se enroscar com as novas gerações e com nossos fãs”.
Tetê Espíndola
Sim , este show é todo em cima das composições do Arnaldo. Nós sempre tivemos grande afinidade artística e como casal. Um maridão amoroso, um pai totalmente presente, um compositor de mão cheia. A parceria musical sempre foi uma coisa muito natural, desde o início do nosso relacionamento. As músicas dele são icônicas, não saem da minha cabeça.
O público de Curitiba vai ter essa oportunidade incrível de conferir antes de todos, pois esse espetáculo é ainda inédito. Além de grande melodista, é um super letrista, fez inúmeras letras para minhas músicas. Neste show selecionamos duas: “Ópera da Natureza” e “Balanço”.
Meus filhos foram pelo mesmo caminho, a Pat uma tremenda cineasta, videoartista, um dia, já tá no radar, vai fazer um filme da minha vida. E o Dani já um reconhecido artista da música brasileira, com muitos admiradores, esteve recentemente se apresentando em Curitiba. Fico muito feliz de vê-los brilhar com sua luz própria.
A gente vê um processo de descoberta da sua obra pelas novas gerações. Você mantém um diálogo com novos fãs? E como é ver sua carreira revisitada por novos fãs e artistas?
Ah, é muito bom!! A internet e as redes sociais ajudam muito a gente se enroscar com as novas gerações e com nossos fãs. Com meus irmãos artistas. Uma coisa de estar compartilhando sua arte, seus pensamentos, seu olhar com todos esses admiradores e colegas. E tem a voz deles todos ecoando, né. Além de nossos filhos, artistas desta nova geração. Vou pescando mensagens incríveis, toques, impressões. Isso vai reciclando e é devolvido em novas composições.
Os artistas brasileiros passaram por tempos bastante difíceis, enfrentando as limitações da pandemia, mas também uma desvalorização da classe artística como um todo. Como isso se manifestou na sua vivência e como você sente o cenário atual?
A pandemia foi uma época difícil sim, principalmente porque os shows ficaram suspensos e nosso ganha pão ficou bem prejudicado. Foi assim para todas as pessoas, em graus proporcionais a cada carreira. Mas uma dificuldade é sempre um desafio e uma oportunidade.
A gente tem que se reinventar. Assim, durante esse período criei um painel de clipes musicais no meu YouTube, chamado Na Toca com Tetê. Grandes encontros com outros artistas. O Arnaldo teve que se reinventar como videomaker. Criamos assim novas habilidades, novos engajamentos, mais participação nas redes. E agora estamos aqui, para a retomada aos palcos, curtindo o calor do público.
Por fim, qual a expectativa para os shows na Caixa Cultural? E o que o público curitibano pode esperar de “Eu e você”?
A expectativa de puro prazer! Este trabalho é novinho em folha, estamos estreando na Caixa Cultural de Curitiba. Essa instituição importante, nos dá essa oportunidade vital de levar nossa arte até vocês. Eles são parceiros incríveis patrocinando essa retomada, em benefício do público, da cidadania. E outro parceiro imprescindível, o público e sua vibração, que nos traz vida, amor e renovação. Essa troca é que nos mantêm integrados à nossa cultura. O público pode esperar tudo e mais um pouco, vamos entregar a alma!
ESCOTILHA PRECISA DE AJUDA
Que tal apoiar a Escotilha? Assine nosso financiamento coletivo. Você pode contribuir a partir de R$ 15,00 mensais. Se preferir, pode enviar uma contribuição avulsa por PIX. A chave é pix@escotilha.com.br. Toda contribuição, grande ou pequena, potencializa e ajuda a manter nosso jornalismo.