Por Diego Zerwes*, especial para A Escotilha
O compositor e escritor Leonard Norman Cohen faleceu nesta semana em sua casa em San Francisco, aos 82 anos de idade. De acordo com seu filho, Adam Cohen, minutos antes de falecer ele estava escrevendo e, como não poderia ser diferente, estava com seu traje completo: terno e gravata. O noticiário data a morte em 10 de novembro. Outras fontes – não oficiais, mas próximas do compositor – afirmam que o fato teria ocorrido no dia 7, última segunda-feira. Ele teria sido levado para Montreal, sua cidade natal, e a cerimônia se deu na mesma comunidade judaica onde o pai e o avô frequentavam.
Em sua última entrevista, para a revista New Yorker – em setembro deste ano –, Leonard Cohen afirmou que estava preparado para morrer. Considerar a própria morte, para alguém dessa idade, é natural e, diante disso, não há grandes razões para imaginar que sua saúde estivesse tão debilitada. Mas, levando em conta a emocionante carta enviada à musa e ex-companheira, Marianne Ihlen, é impossível não pensar que, enquanto transparecia serenidade e lançava um novo álbum, sua morte era iminente.
Ao receber a notícia de que Marianne estava no leito de morte, em julho, Cohen enviou uma carta comovente, horas depois: “estamos velhos, nossos corpos sentem a idade e acho que, muito em breve, irei acompanhá-la. Saiba que estou tão perto que se você esticar sua mão, acho que tocará a minha”.
Das várias pistas, intencionais ou não, que Leonard Cohen deixou nos últimos meses sobre sua vida e, automaticamente, sobre o estado de saúde, ele soube deixar bem claro, em sua última aparição – na ocasião do lançamento do contundente álbum You Want It Darker –, que, ao contrário do que as pessoas imaginavam, ele pretendia viver para sempre.
Mesmo que sua voz carregasse um tom de ironia, há uma verdade universal nessas palavras, para além do lugar comum que possam evocar. Ora, Leonard Cohen nunca morrerá, assim como não morrerão os grandes nomes da música e da poesia, alçados à categoria de arte universal pelo alcance e transcendência da sua obra. Seus versos, cantados ou não, estão espalhados por aí.
Leonard Cohen nunca morrerá, assim como não morrerão os grandes nomes da música e da poesia.
Estão no programa do show de talentos, estão no padre rezando a missa, estão na televisão e estão, principalmente, na voz de tantos outros artistas que, nos quase 50 anos de carreira musical, já regravaram suas canções. Esse é, aliás, um ato contínuo. Desde a primeira gravação de “Suzanne”, feita por Judy Collins, artistas como Nina Simone, Johnny Cash, Bono Vox, Jeff Buckley, Pixies, Nick Cave, Bob Dylan, John Cale não pararam de regravar suas canções.
Antes mesmo de gravar seu primeiro álbum, em 1967 – Songs of Leonard Cohen –, ele já era conhecido e premiado pela poesia, tido por Northrop Frye como um dos três grandes poetas canadenses. Em uma viagem em janeiro deste ano, bati um papo com um senhor canadense. Pedi para que ele adivinhasse um músico/banda da terra dele por quem eu tinha muito apreço. Ele foi desfiando uma lista de nomes e, já rendido, desistiu. Quando mencionei Leonard Cohen, ele falou, como que assustado: “Ah, o poeta? Claro, claro”.
Aqui no Brasil, de modo geral, a obra poética de Cohen é deixada de lado. Tirando a heroica publicação de uma compilação de poemas do amigo Fernando Koproski, Atrás das Linhas de Meu Amor (7 Letras), e o romance A Brincadeira Favorita, sobram ainda um romance e 13 livros de poesia para que toda a obra dele chegue aos brasileiros.
Ainda há muito o que ser dito sobre o legado deixado nesses 49 anos de carreira musical e 60 anos de poeta. Enquanto a dor e a tristeza de sua partida insistem em nos espezinhar, que nos contentemos com aquilo que Lou Reed disse um pouco antes de entregar o prêmio do Rock n’ Roll Hall of Fame: “Temos sorte de viver ao mesmo tempo que Leonard Cohen”.
Como homenagem máxima, nada melhor do que deixar que as palavras dele falem por si só. Leia “How to Speak Poetry”, do livro Death of a Lady’s Man, traduzido por mim.
Como falar poesia
Tome a palavra borboleta. Para utilizar essa palavra não é necessário que a voz pese menos que uma onça ou dar a ela asinhas cheias de pó. Não é necessário criar um dia ensolarado ou um campo cheio de narcisos. Não é necessário estar apaixonado ou amar borboletas. A palavra borboleta não é uma borboleta de verdade. Há a palavra e há a borboleta. Se você confundir essas duas coisas, as pessoas têm o direito de rir de você. Não dê tanto crédito à palavra. Você está tentando sugerir que ama as borboletas mais do que tudo, ou que na verdade entende a natureza delas? A palavra borboleta é meramente um dado. Não é chance que você tem para pairar, voar, ajudar as flores, simbolizar beleza e fragilidade, ou personificar, de um modo ou de outro, uma borboleta. Não invente palavras. Nunca invente palavras. Nunca tente alçar voo quando fala sobre voar. Nunca feche os olhos e vire o rosto quando fala sobre morte. Não pregue seus olhos flamejantes nos meus quando fala sobre amor. Se quiser me impressionar enquanto fala sobre amor, coloque as mãos nos bolsos ou por baixo do vestido e brinque com você mesma. Se a ambição e o apetite por aplausos te levaram a falar sobre amor, você deveria aprender como fazer isso sem desgraçar aquilo que fala ou você mesma.
Qual é a expressão que a era demanda? A era nunca demanda expressão alguma. Vimos fotografias de mães asiáticas enlutadas. Não estamos interessados na agonia de seus órgãos ineptos. Não há nada em seu rosto que represente o horror dessa época. Sequer tente. Você apenas ficará à margem daqueles que sentiram as coisas à fundo. Temos visto notícias de humanos que sentem os extremos da dor e do deslocamento. Todos sabem que você come bem e está sendo pago pra ficar ali de pé. Você está brincando com pessoas que estiveram no meio da catástrofe. Isso deveria te manter quieto. Diga as palavras, transfira a data, saia daí. Todos sabem que você sofre. Você não pode dizer à plateia tudo o que sabe sobre amor em cada verbo de que profere. Saia daí e eles entenderão o que você sabe porque você já sabe. Você não tem nada a ensinar a eles. Você não é mais belo que eles. Não é mais sábio. Não grite com eles. Não tente entrar no seco. Isso é sexo ruim. Se você mostrar as linhas de suas genitais, então entregue o que prometeu. E lembre-se que as pessoas não querem um acrobata na cama. O que nós queremos? Queremos estar perto do homem natural, perto da mulher natural. Não finja ser uma cantora adorada, cujo vasto e leal público percorreu os altos e baixos da sua carreia até esse exato momento. As bombas, os lança-chamas e toda a merda destruíram mais que apenas algumas árvores e vilas. Eles também destruíram o palco. Você acha que sua profissão escaparia da destruição geral? Não há mais palco. Não há mais iluminação. Você está no meio do povo. Portanto, seja modesta. Seja você mesma. Fique em seu próprio quarto. Não force a própria barra.
Este é um panorama interior. Está dentro. É privado. Respeite a privacidade de conteúdo. Esses pedaços foram escritos no silêncio. A coragem da peça é proferi-los. A disciplina da peça é não violá-los. Deixe que a plateia sinta seu amor à disciplina mesmo que haja privacidade. Sejam putas boazinhas. Um poema não é um slogan. Não posso anunciá-lo. Ele não pode te dar a reputação de que é uma pessoa com sensibilidade. Você não é uma famosa. Você não é uma assassina. Todos este lixo sobre os gangsters do amor. Você é estudante da disciplina. Não invente palavras. As palavras morrem quando você as inventa, elas secam e somos deixados com nado, exceto sua ambição.
Profira as palavras com a precisão exata de quem confere a lista de roupas da lavanderia. Não fique sentimental por conta da blusa laceada. Não tenha uma ereção quando disser calcinhas. Não tenha arrepios só por causa da toalha. Os lençóis não deviam provocar uma expressão onírica a respeito dos olhos. Não há necessidade de chorar em seu lenço. As meias não existem para te lembrar de distantes e estranhas viagens. É apenas sua roupa suja. Não espie entre elas. Apenas as vista.
O poema não é nada exceto informação. É a constituição do país interior. Se você declamá-lo e espalhá-lo com nobres intenções, nesse caso você não é melhor que os políticos que despreza. Você é apenas alguém sacudindo uma bandeira e fazendo o apelo mais barato de patriotismo emotivo. Pense nas palavras como ciência, não arte. Elas são uma informação. Você está falando diante de uma plateia do Clube de Exploradores da Sociedade da National Geographic. Todas essas pessoas sabem do risco de escalar uma montanha. Eles te respeitam ao ter isso como certeza. Se você esfregar isso na cara deles, eles se sentirão insultados pela hospitalidade que te ofereceram. Conte a eles sobre a altura da montanha, o equipamento que utilizou, seja específico em relação às superfícies e o tempo que levou para escalar. Não incite suspiros na plateia. Se você for digno de suspiros, não será da sua avaliação do evento, será da avaliação deles. Estará nas estatísticas e não no tremor da sua voz ou do movimento da sua mão, cortando o ar. Estará nos dados e na quieta organização da sua presença.
Evite floreios. Não tenha medo de ser fraca. Não tenha vergonha de estar cansada. Sua aparência é agradável quando está cansada. Parece que, desse jeito, você poderia seguir em frente eternamente. Agora venha até meus braços. Você é a imagem da minha beleza.
* Diego Zerwes é publicitário (UP) e Especialista em Literatura Brasileira e História Nacional (UTFPR). Trabalha na Comunicação do Colégio Medianeira. É tradutor (diletante) da vasta obra musical de Leonard Cohen, publicada periodicamente no Traduzindo Leonard Cohen.
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