“Aposto que são péssimos. Mas, talvez, se eles tocarem possam melhorar”. Essa era a premissa de Hilly Kristal quando, em 1974, inaugurou a nova fase do CBGB, templo do punk nova-iorquino, localizado na suja e barra pesada Bowery Street, ao sul de Manhattan.
Voltemos para um ano antes no tempo. Kristal sempre acreditou que a música estava no comando. Mas não exatamente o gênero punk. Quando abriu o bar, em 1973, o tipo de música que iria botar para tocar era aquela que “tiraria o mundo do capitalismo selvagem por meio da arte”. Era o “Country, Bluegrass e Blues and Other Music Uplifting Gormandizers” (CBGB & OMFUG), algo como “venha ouvir o country, o blues e outras músicas que sacudam os gulosos”. O conceito disso tudo só ficou mesmo na sigla. Poucos visitantes cabeludos, barbudos e de botas de couro entravam no local.
Quem começou a frequentar o bar de Kristal era clientela com pouca grana – aspirantes a artistas, strippers, jornalistas e uma gurizada esquisita que procurava por um lugar para tocar. Na época, o Max’s Kansas City, reduto do The Velvet Underground e de toda a geração do pré-punk (incluindo o glam que já estava em final de carreira), fechava as portas. O descolado Mercer Arts Center, outro local que abrigava shows, havia, literalmente, vindo chão abaixo.
Embora a cena punk estivesse florescendo em outros locais, como em Boston, o CBGB era “o lugar”. Era para onde a juventude queria ir, seja para estar no palco ou na plateia. Não importava se o cachorro de Hilly fizesse cocô em qualquer lugar dentro do bar, se os músicos tivessem que dividir o palco com ratos ou se todos tivessem que usar um banheiro que era um esgoto a céu aberto (quando vejo as fotos do banheiro do CBGB penso que o banheiro do Linos, nosso eterno bar punk aqui de Curitiba, cheirava a Cashmere Bouquet!).
O CBGB tornou-se um mundo paralelo para aqueles que queriam algo a mais com a música. Sem amarras, sem censura. Richard Hell (ex-Television e depois do The Voidoids) em uma matéria especial sobre os 30 anos do CBGB, publicada pela Uncut, em 2005, diria que “o CBGB ajudou a criar a identidade do punk, de que tudo está caindo aos pedaços, ninguém tem nada para perder, derrube todas as suas esperanças e pretensões e diga o que você tem para dizer”. Ou seja, rolava mesmo um sentimento de pertencimento, de um lugar onde a mente podia funcionar da forma que cada um quisesse.
Patti Smith – Horses (1975), The Ramones – Ramones (1976), Blondie – Blondie (1976), Television – Marquee Moon (1977), Richard Hell & The Voidoids – Blank Generation (1977), Talking Heads – Talking Heads (1977), The Dead Boys – Young, Loud and Snotty (1977). Nenhum desses álbuns teria feito parte da sua audição se não fosse por Hilly Kristal, pois foi no CBGB que Nick Gant, Craig Leon, Richard Gottenrer, Andy John, e muitos outros produtores musicais, foram buscar seus pupilos para produzi-los e lançá-los ao mundo fonográfico.
E foi com esse arsenal de álbuns que o punk foi visitar a rainha. O CBGB e alguns da sua trupe tornaram-se um catalisador para a cena punk inglesa. Joe Strummer diria que se o primeiro álbum do Ramones não tivesse sido lançado, e a banda não tivesse tocado na Inglaterra, ele teria dúvidas se teria acontecido uma cena punk por lá.
O CBGB tornou-se um mundo paralelo para aqueles que queriam algo a mais com a música. Sem amarras, sem censura.
O CBGB fechou em 2006. E não foi porque Kristal estava quebrado financeiramente ou cansado da sua saga. Ele simplesmente não conseguiu renovar o contrato de locação. Em 1973, quando abriu o bar, o aluguel custava 600 dólares mensais. Em 2004, estava em 19 mil dólares. No último ano chegou a 65 mil dólares. E no final, os carniceiros do ramo imobiliário pediram 200 mil dólares por mês! Dizem que a especulação imobiliária pelo local incluía o dedo de Mike Bloomberg, prefeito de Nova Iorque, de 2002 até 2013.
Apesar dos pesares, o fato parece ter sido coisa feita. Pouco depois do fechamento do CBGB, Hilly descobriu que estava com câncer. Morreu em 2007. Certamente deve ter levado com ele o lema “Você tem que ouvir para escutar”. Se você fuçar na rede irá encontrar muita coisa sobre o Hilly e seu bar – o site do CBGB, uma página em homenagem a ele, documentários e alguns livros (nenhuma biografia oficial, que eu saiba).
E há também o filme CBGB Movie (No Brasil saiu como CBGB – O Berço do Punk Rock), lançado em 2013. O filme não é o melhor retrato do que realmente aconteceu em Bowery Street. Soa meio caricato, equivocado em alguns momentos, por vezes romantizado. Mas vale pelo enredo que traça a jornada de Hilly Kristal e pela impecável atuação de Alan Rockman, no papel de Kristal.
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