Dos rincões da longínqua zona sul da cidade de São Paulo no ano de 1997, ecoava um grito de protesto que dava voz a milhares de brasileiros e brasileiras que, assim como os Racionais, se viam subjugados e escondidos nas periferias de todo o país.
O quinto trabalho de estúdio do quarteto paulistano, entretanto, não ficou restrito apenas ao seu fiel público da periferia. Com uma vendagem que chegou perto das duas milhões de cópias, Sobrevivendo no Inferno colocou os Racionais em evidência no cenário musical brasileiro e fez do hip-hop o principal movimento de protesto e contestação produzido pela cultura brasileira em muito tempo.
Tudo isso sem deixar de lado a linguagem simples, direta e autêntica das zonas periféricas. Com letras repletas de gírias, referências à cultura popular e que narram o dia-a-dia de inúmeros cidadãos que também tentam sobreviver no inferno, o tom popularesco com que artista e obra se comunicam com o público é a principal virtude do álbum que escancara a realidade de um Brasil pobre, racista e desigual.
É com Sobrevivendo no Inferno que os Racionais mostram ao Brasil a cara do rap, ritmo musical que chegou por aqui ainda nos anos 80.
Apesar do sucesso comercial do grupo paulistano só ter sido consolidado de fato com o lançamento de Nada Como Um Dia Após o Outro Dia cinco anos depois, é com Sobrevivendo no Inferno que os Racionais mostram ao Brasil a cara do rap, ritmo musical que chegou por aqui ainda nos anos 80.
O significado da obra para a música brasileira é tão grande, que a revista Rolling Stone classificou Sobrevivendo no Inferno como o décimo quarto melhor álbum da história da nossa música. Não à toa, o disco é considerado um divisor de águas no cenário do rap nacional. Após seu lançamento, o gênero, antes restrito à periferia, passou a ter penetração no mercado musical brasileiro com suas músicas tocando em rádios e se popularizando entre as mais diferentes classes sociais.
Desta forma, os Racionais, apesar de não serem necessariamente os primeiros a fazer rap no Brasil, abriram caminho para o surgimento de diversos outros artistas que posteriormente fizeram sucesso e consolidaram o gênero no país. Com frequência nomes como, Emicida e Criolo citam Sobrevivendo no Inferno e os Racionais MC’s como grandes fontes de inspiração.
A temática das canções do álbum são, em geral, semelhantes e retratam situações como a violência policial, a pobreza, o racismo e a vida no crime, questões bastante presentes nas primeiras obras do gênero no Brasil. A saga do indivíduo em sua busca pela segunda chance, a luta para escapar do ambiente que o empurra para um determinado caminho e a tentativa de vencer as circunstâncias e o determinismo social, são traços marcantes nas letras das 12 faixas presentes no disco.
Seja a partir do deboche e da crítica social presentes em “Qual Mentira Vou Acreditar” ou do relato do cotidiano de um presidiário na penitenciária do Carandiru em “Diário de um Detento”, a mensagem dos Racionais MC’s é clara: “Eu tenho uma missão e não vou parar/ Meu estilo é pesado e faz tremer o chão/ Minha palavra vale um tiro e eu tenho muita munição/ Na queda ou na ascensão, minha atitude vai além/ E tenho disposição pro mal e pro bem”, como retratado na letra de “Capítulo 4 Versículo 3”.
Ou seja, a periferia passou a ter voz e, através da crueza e ironia dos versos de Mano Brown, Edi Rock e Ice Blue, ela se comunica, à sua maneira, com o resto do mundo.
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