Craca e Dani Nega é um projeto formado a partir da união de dois universos. De um lado está Craca Beat, nome artístico de Felipe Julian, que é músico, produtor musical e artista visual. De outro está Dani Nega, rapper e atriz ligada à luta contra o racismo, a violência contra a mulher e a apropriação cultural. Juntos, eles produzem um trabalho que, há dois anos, vem unindo uma base de experimentação eletrônica a letras que são verdadeiros manifestos políticos. O resultado pode ser conferido nos dois discos já lançados pelo duo: Craca, Dani Nega e o Dispositivo Tralha, de 2016, e O Desmanche, registro mais recente, que saiu em abril deste ano.
Com onze faixas, o álbum de estreia teve boa repercussão quando foi lançado. O trabalho foi apontado como um dos destaques do ano na época de seu lançamento e chegou a levar o prêmio de Melhor Álbum de Música Eletrônica na 28ª Edição do prêmio Música Brasil. E não é para menos: Craca, Dani Nega e o Dispositivo Tralha é uma mistura pulsante de experimentação eletrônica com letras engajadas.
São onze canções que exploram a sonoridade sintética sem abrir mão de referências das músicas africanas e caribenhas e que trazem temáticas como a apropriação cultural (“Sou preto mesmo”) e o empoderamento feminino a partir da sexualidade (“Papo reto”). Construindo as bases para essa mistura toda está o Dispositivo Tralha, controladora criada por Craca que permite uma série de efeitos simultâneos, entre eles até a inserção de sons ambientes, como de feirantes de rua na faixa “Coxo Mole”
Os universos dos músicos se unem para jogar nos nossos ouvidos a realidade que nos grita diariamente e que é silenciada na mesma proporção.
O trabalho seguinte, que saiu em abril de 2018, também deverá encontrar seu lugar de destaque entre os lançamentos deste ano. O Desmanche reúne nove canções com discursos tão afiados quanto os do trabalho anterior. São músicas que falam de maneira bastante firme sobre o genocídio da população negra, sobre raízes culturais e uma série de outros temas atuais. Um posicionamento que é político e que já nasce no título do disco.
“Tem-se falado muito em desmonte da educação, desmonte da cultura, desmonte da saúde. Nós preferimos o termo desmanche, pois o desmanche remete à ideia de ilegalidade. E não acreditamos que exista legitimidade neste processo que estamos vivendo”, contaram os artistas.
Somando à dupla neste novo trabalho está um conjunto grande de vozes femininas, entre elas Juçara Marçal (“Saravá Xangô), Roberta Estrela D’Alva (“Não pise na bola”) e Luedji Luna (“Peito Meu”). Uma excelente junção, que, ao lado dos elementos latinos, regionais e africanos trazidos por Craca, dá ainda mais diversidade ao novo álbum.
Ambos os discos lançados pela dupla têm em comum a atualidade. São dois registros que não deixam dúvidas de que estamos diante de um projeto feito no agora para nos falar sobre temas que nos acompanham há tempos e que se fazem cada vez mais urgentes. “Acreditamos que a arte precisa ser um instrumento político de cura, transformação e provocação, e o artista tem a missão de discutir o tempo que lhe cabe viver. Sendo assim, narrar as nossas próprias trajetórias e questionar as estruturas políticas e de convivência que nos cercam têm sido carros-chefes em nossas composições. Essa é uma forma de sermos também protagonistas das nossas histórias, que precisa e deve ser contada por nós”, eles explicam.
Em tempos de extremo conservadorismo como o que vivemos atualmente, um disco como O Desmanche e um trabalho como o de Craca e Dani Nega se fazem extremamente necessários, para dizer o mínimo. Os universos dos músicos se unem para jogar nos nossos ouvidos a realidade que nos grita diariamente e que é silenciada na mesma proporção. Atual e forte, nos mostra a importância de não nos calarmos, seja na arte ou em qualquer aspecto de nossas vidas.
NO RADAR | Craca e Dani Nega
Onde: São Paulo, SP;
Quando: 2016;
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