Há quase quatro anos, Sylvia Kristel morria em sua residência, aos 60 anos de idade. O diagnóstico foi um câncer, do qual a atriz vinha lutando, mas que perdeu a batalha em 2012, logo após ter se recuperado de um derrame.
Naquele dia, lembro-me de uma legião de colegas e amigos postando sobre o fato na internet. Muitos, talvez, não a conheciam pelo seu trabalho geral no cinema, tampouco pelo seu nome real. Mas com toda a certeza, todos reverenciavam sua mais icônica personagem: Emmanuelle.
Sylvia imortalizou nas telonas e telinhas a protagonista — e nom de plume — de Marayat Rollet-Andriane, atriz franco-tailandesa que narrava em seus romances suas aventuras sexuais. A bored wife, como ficou conhecida, teve livros banidos da França, mas logo mais seria transformada em uma lenda do erotismo no corpo e atuação de Sylvia. Seu principal filme, datado de 1974, foi um dos mais aclamados pela crítica e o responsável por levar o sexo às cenas de cinema, questionando vários tabus.
Seu baixo orçamento também não foi nenhum problema para arrecadar milhões de dólares, com uma estética que, ao contrário da pornografia usual, evitava explorações brutais e banais do sexo, dando tons de romantismo e de pura impressão estética. Dotados de glamour e de poucas visões de penetração, o filme mexia com os sentidos, que se tornavam ainda mais aguçados com as suaves e até estranhas trilhas sonoras, abrindo caminho para uma escola de filmes da categoria, especialmente nos Estados Unidos e na França.
É possível dizer que o papel da música no enredo do filme erótico era fundamental. As trilhas, normalmente faixas de easy-listening, lounge e funky, conduziam desde cenas de strip-tease às de consumação do ato, acelerando e desacelerando, criando um cenário quase que mesmerizante para o espectador.
E foi seguindo por esse caminho que o produtor e músico francês Drixxxé começou a gravar e distribuir as chamadas Sextapes. Em seu canal no SoundCloud, Drixxxé produziu e mixou três Sextapes em que reúne material dos filmes com seu toque pessoal e artístico.
Trilhas de filmes como Sessomatto, Black Lolita, Aunt Peg, Madame Claude, Emanuelle and the Girls of Madame Claude, Vampyros Lesbos, Sex O’Clock USA, Skin Flicks, Odyssey, Le Sex Shop and Emanuelle and the Last Cannibals — mais notórios e comentados do segmento — são reproduzidos com suas clássicas linhas de baixo e saxofones, enquanto contrastam com elementos eletrônicos provenientes de samplers do artistas. A exploração das vozes das atrizes também é chave para que Drixxxe use nos mixes.
É possível dizer que o papel da música no enredo do filme erótico era fundamental. As trilhas, normalmente faixas de easy-listening, lounge e funky, conduziam desde cenas de strip-tease às de consumação do ato.
O resultado é um disco de quase uma hora com faixas típicas dos anos 70, em compassos hipnotizantes, conduzidos por toques contemporâneos eletrônicos que inspiram uma sensação diferente. As Sextapes de Drixxxé são tão dançantes e empolgantes como eróticas e libidinosas, tornando o trabalho do músico ainda mais incrível.
Ressaltar no começo que o softcore e erotic tiveram sucesso na França — e originários, por que não dizer, de um romance francês — é fundamental para explicar o feeling do músico na hora de resgatar os hits e dar um toque moderno, transformando as famosas e chulas “músicas de motel” em algo diferente e que, literalmente, pode correr por horas no seu fone de ouvido de maneira agradável.
Drixxxé parece trazer para as caixas de som tudo aquilo que os diretores e Sylvia Kristel levaram para o cinema e faz isso de maneira precisa, deixando que a imaginação tome conta. É impossível ouvir Sextapes sem imaginar aquelas cenas icônicas e estereotipadas, da mesma forma que é impossível ouvir uma só, seja você fã ou não do estilo predominante nas faixas.
Drixxxé também trouxe à tona todo o erotismo e saudosismo do que ficou conhecido no Brasil pelas telas da Band, em seu extinto Cine Privê. E para quem adora apreciar o erotismo apenas pela arte, faz um trabalho indiscutivelmente incrível para quem quer apenas relaxar na cadeira e deixar a imaginação rolar.
Se falar sobre sexualidade ainda soa como um tabu, o jeito é colocarmos nossos fones de ouvido e apenas dar play em tudo aquilo que os anos 70 produziu com baixo orçamento.