Algo que aprendi com o tempo é que arte é o que interpretamos. Não o que engolimos, o que deixamos passar, o que absorvemos sem dificuldade. Arte é o que se sente, o que causa algo, seja bom ou ruim. Arte acalma ou inquieta, alegra ou entristece, afaga ou dá um tapa. Faz qualquer coisa, mas não passa despercebida. Talvez a mais importante delas é a que cria interpretações. Não que a arte simples e sutil seja menos arte, não é certo dar méritos, mas há uma produção cultural que, por si só, faz pensar. Faz alguém criticar e faz alguém elogiar, ambos em busca de razões para se afirmar. Pense no seriado de televisão que segura o espectador em torno de teorias, que faz a cada semana um grupo de amigos se reunir em algum lugar, virtual ou real, para pensar a respeito de uma história. O seu papel como arte foi cumprido.
A música do Radiohead existe nesse universo. O Radiohead por si só é importante pelo simples fato de, se você o buscar no Google essa semana, encontrar críticas, elogios, teorias e hipóteses sobre A Moon Shaped Pool em blogs, jornais e revistas do mundo inteiro. Para tentar explicar o Radiohead, sites norte-americanos foram atrás de um desenho infantil britânico dos anos 1960 e tentaram o relacionar com Donald Trump. Por causa deles, pensamos. Para assimilar a arte, interpretamos. Podemos ver A Moon Shaped Pool como um disco político, ou como um disco sobre o término de um relacionamento que durou metade de uma vida, ou como a maneira com que desaparecemos dia após dia. Levamos dele o que somos, a partir do momento em que a música pede por interpretação e precisa do espelho que nós somos para refleti-la. Cada um de seu jeito.
O novo disco do Radiohead é notícia antes mesmo de nascer somente por ser o novo disco do Radiohead. A banda apagou seus traços nas redes sociais, mandou telegramas obscuros para fãs e soltou como primeiro single uma música cheia de simbolismos em um vídeo com ainda mais referências. Criou uma nova empresa para cuidar da parte financeira do álbum, assim como sempre faz, na forma de uma banda/administradora que parece saber cada passo que dá. Cada ato do Radiohead é um manifesto sutil que reverbera em grandes proporções. A banda mudou o rock, mudou a maneira como olhamos para a sociedade no começo do século, mudou a maneira como se distribui música na internet e, nos tempos de redes sociais impregnadas no cotidiano, lançou um álbum apagando completamente sua presença nelas. Thom Yorke e companhia parecem viver dois passos à frente de todos nós, antecipando a música na internet com In Rainbows e vislumbrando uma necessidade de voltar a atenção ao mundo real com A Moon Shaped Pool. Talvez isso explica o fascínio que a banda exerce, que nos faz quebrar a cabeça para os entender.
Thom Yorke e companhia parecem viver dois passos a frente de todos nós, antecipando a música na internet com In Rainbows e vislumbrando uma necessidade de voltar a atenção ao mundo real com A Moon Shaped Pool.
A Moon Shaped Pool é um disco bem menos experimental que seu antecessor, The King of Limbs (2011), e traz certas lembranças de momentos anteriores da carreira da banda, como da época de Kid A (2000) e In Rainbows (2007). É um trabalho repleto de baladas e músicas tranquilas. Jonny Greenwood traz sua bagagem recente de composições de trilha sonoras e cria uma harmonia de orquestra, cheia de camadas e que usa sinos, pianos, sintetizadores e cordas em algo belíssimo.
Na já tradicional melancolia do Radiohead, as canções abordam uma existência que aos poucos se apaga. Tanto a do próprio narrador como a de uma segunda pessoa, em relação talvez ao divórcio que Yorke passou recentemente. O disco traz também respingos da trajetória da banda com músicas já conhecidas dos fãs que ganham sua primeira gravação em estúdio, caso da já clássica “True Love Waits”, que aparece nos shows da banda desde 1995 e é considerada uma das mais belas já escritas por Yorke. Mais de 20 anos depois, ela fecha com perfeição o belo disco novo do grupo, que ainda conta com outros grandes momentos com “Daydreaming”, “Desert Island Disk”, “Glass Eyes” e “Identikit”.
A Moon Shaped Pool é, como já foi descrito por aí, o Radiohead soando como o Radiohead, visto que a banda já joga pelas suas próprias regras faz tempo. É também arte e é extremamente relevante ao nos forçar a interpretar e mergulhar na obra. Mais importante do que descobrir o que Thom Yorke quis dizer em cada letra ou quais são os simbolismos presentes nos vídeos de “Burn the Witch” e “Daydreaming”, o disco nos leva a interagir com a obra e digerir com nossos conceitos as criações da banda. É o poder do Radiohead como ele mesmo, envolto em um disco que entra para a grandiosa discografia de uma das maiores bandas da música moderna.