Na última sexta-feira, 09, o governador do estado de São Paulo João Dória anunciou que a capital, sua região metropolitana e outras cinco regiões, avançaram para a fase verde do Plano SP. Apesar do número absurdo de mortes diárias, algo em torno de 220 óbitos, e de ser o epicentro da doença no país, a nova fase que se estende por quase todo território paulista prevê, entre outras coisas, a liberação de eventos, salas de teatro, cinemas e museus. A flexibilização, apesar de precoce, é respaldada pelo aumento do número de leitos disponíveis nos hospitais, além dessas localidades estarem há pelo menos vinte oito dias na fase amarela sem retroceder.
A notícia da reabertura dos espaços culturais deveria causar comoção e representar esperança ao público e aos trabalhadores, tivesse o Brasil lidado de maneira séria com a pandemia que aprisiona e assusta o mundo. Como bem sabemos, esse não é o caso: o anúncio trouxe mais dúvidas do que certezas. Uma maioria de espaços, entre eles os lendários grupos Os Satyros e Teatro Oficina, anunciaram que não retomarão suas atividades até que seja seguro o fazer. Outros tantos, que não podem se dar ao luxo de continuar com as portas fechadas, apesar de compreenderem os riscos envolvidos na retomada prematura, enfrentarão o vírus em nome da sobrevivência.
O público, que muitas vezes já é escasso, correrá o risco de se contaminar para ir ao teatro como o faz nas filas de bares lotados e nas aglomerações praianas de todo o feriado?
É evidente que não podemos culpar o lado mais fraco dessa balança obscena e sem medidas. Os espaços que reabrem o fazem aos trancos. Voltam porque precisam, insistem porque acreditam. O tal sacrifício do artista, sempre tão lembrado, talvez nunca esteve tão descaradamente colocado em prática. Não existem medidas de segurança aplicáveis quando o caos está instalado em nossa realidade. Apesar de tudo, depois de sete meses, o teatro retoma suas atividades e a pergunta que fica é: o público, que muitas vezes já é escasso, correrá o risco de se contaminar para ir ao teatro como o faz nas filas de bares lotados e nas aglomerações praianas de todo o feriado? Acho que não.
Foram sete meses, duzentos e tantos dias, sabe-se lá quantas horas. É difícil medir o tempo através da experiência do nada. É impossível calcular em medidas, sejam elas quais forem, o tamanho do tédio quando regado pela impossibilidade. Impossível. Foram praticamente sete meses de teatros fechados, trabalhadores da cultura parados e renegados à própria sorte, sem apoio ou consolo, sem auxílio ou compreensão, e agora, quando tudo pode enfim voltar ao normal, a sensação que se tem é a de que o retorno, absolutamente irresponsável, leva o país para um abismo de onde talvez seja impossível retornar quando for preciso.
Afinal, seguimos cabisbaixos o caminho de uma estrada pavimentada sobre corpos, sobre histórias interrompidas, e não há espetáculo possível quando a realidade é construída e esculpida com o salgado gosto das lágrimas que derramamos por habitar um país despedaçado que aprende, dia após dia, a arremessar os cacos de sua gente contra o espelho estilhaçado de nossa realidade irrefletível.