No último dia 14 de setembro, o teatro voltou a existir, de fato, para todo o mundo. A Broadway, indiscutivelmente a mais famosa instituição cênica do planeta, e não por isso a mais interessante, retomou suas atividades depois de permanecer fechada por mais de um ano. Marco absoluto do fechamento das salas de espetáculo durante a pandemia, o bairro nova-iorquino rompeu o silêncio que ecoava por suas esquinas dando boas-vindas ao público e aos artistas em uma noite repleta de magia, lágrimas e, é claro, espetáculos.
Se por um lado a volta do circuito Broadway, e do “marginal” Off-Broadway, é um alento para o todos os trabalhadores envolvidos na produção teatral, por outro é preciso compreender, e lamentar, que tal retorno está, ao menos por enquanto, restrito àqueles que podem bancar, programar e têm o privilégio de se reinventar em meio ao caos, o que, convenhamos, é coisa rara diante da realidade doída e cruel em que vive a maioria dos artistas mundo afora.
Hamilton, O Rei Leão, Wicked e Chicago; foram esses os musicais que o público pode assistir no glamoroso, triunfal e controlado retorno do ventre teatral de Nova Iorque. Com direito a discurso de nomes importantes como Lin-Manuel Miranda, Kristin Chenowet e Julie Taymor, a “terça gorda” norte-americana significou o inverso da nossa terça de folia e, à sua maneira, meio sem graça até, fez ressurgir das cinzas as ruas, as calçadas, as vitrines e as almas que andavam perdidas, perambulando por um bairro vazio e sem vida diante da impossibilidade trazida por uma peste de certa maneira ainda desconhecida.
A indevida, porém necessária comparação, retrata não apenas o descaso gritante do poder público brasileiro diante de seus artistas e cidadãos, como também escancara a falta de organização e de representação da qual sofremos há tempos.
Não é preciso dizer que por aqui a coisa é bem diferente. A indevida, porém necessária comparação, retrata não apenas o descaso gritante do poder público brasileiro diante de seus artistas e cidadãos, como também escancara a falta de organização e de representação da qual sofremos há tempos. Espelhados numa realidade distante e submetidos a um cotidiano asfixiante, os trabalhadores da cultura tentam retornar às atividades reféns da incerteza e expostos não apenas ao vírus, mas também aos velhos e já conhecidos problemas que fazem com que a arte no Brasil seja ora artigo de luxo, ora teimosia de quem se dá ao “luxo” de viver diante do desespero.
É fato consumado: A Broadway, pelo bem ou pelo mal, voltou às suas atividades normais. E nós, pobres artistas nacionais, quando poderemos voltar a viver e a sonhar do nosso ofício, quase sempre esculpido pelas lágrimas e pelo sacrifício de quem, diante da pandemia ou do descaso de sempre, se acostumou a viver de migalhas?