Durante três dias, Curitiba vai ter uma oportunidade única: a de encontrar Riobaldo, o icônico jagunço imortalizado na cultuada obra de Guimarães Rosa. É porque o Teatro Cena Hum vai hospedar, nos dias 21, 22 e 23 de março, as três peças de Trilogia Grande Sertão: Veredas, monólogos com dramaturgia e interpretação de Gilson de Barros.
Ao longo dos três dias, o público curitibano vai poder assistir a três montagens, todas dirigidas por Amir Haddad. Na sexta-feira (21/03), Riobaldo – recorte dos amores na obra, na sexta (21/03); No Meio do Redemunho – recorte da dialética bem/mal, Deus/diabo, no sábado (22/03); e O Julgamento de Zé Bebelo – panorama dos sistema de jagunços no sertão mineiro, no domingo (23/03). O espetáculo foi indicado ao Prêmio Shell Rio 2023, nas categorias melhor dramaturgia e melhor ator, e recebeu o Prêmio Arcanjo especial 2024 de melhor projeto.
Iniciado em 2020, o projeto de Trilogia Grande Sertão: Veredas percorreu várias cidades do Brasil, além de ter sido apresentado internacionalmente em Portugal (Lisboa e Porto) e Colômbia (Bogotá). De acordo com Gilson de Barros, “a montagem preserva a especificidade da linguagem poética de Guimarães Rosa, utilizando técnicas de interpretação narrativa que permitem uma imersão profunda na história, respeitando a riqueza linguística do autor”.
Já o diretor Amir Haddad fala que as peças priorizam o espaço cênico minimalista justamente para não sobrecarregar a narrativa. “A ideia é criar um ambiente propício para que o espectador se entregue à força da história e às questões universais que permeiam a obra”, acrescenta.
Gilson de Barros: “Há nove anos só leio a obra desse grande autor”

O experiente Gilson de Barros é a mente e o corpo que sustentam os espetáculos contidos em Trilogia Grande Sertão: Veredas. Nesta entrevista concedida à Escotilha, ele conta como surgiu a sua relação com Guimarães Rosa e os desafios enfrentados ao levá-lo ao teatro.
Escotilha » Queria que vc me falasse um pouco sobre a sua relação com Guimarães Rosa. Como surgiu o interesse pelo autor e a vontade de fazer essa montagem?
Gilson de Barros » Quando eu tinha 18 anos, fiz uma peça que encenava parte do texto do Grande Sertão: Veredas, com o julgamento de Zé Bedelo. O texto era de um professor universitário, que me deu o livro. Como eu era novo, li apenas aquele pedaço. Mas depois acabei voltando à obra e me apaixonando cada vez mais.
Quando me aposentei (Barros trabalhava na Secretaria de Cultura da Prefeitura do Rio de Janeiro), eu – assim como todo mundo que vive o teatro – pensava em montar o meu espetáculo. E logo pensei em Guimarães Rosa. Há nove anos só leio a obra desse grande autor – vou e volto, releio, participo de muitos grupos de leitura pelo Brasil.
“O público experimenta uma sensação similar à leitura guiada pela imagem do personagem narrador, na frente dele”.
Gilson de Barros
Como foi escolher as três histórias para a montagem?
Os três recortes são o tripé básico do livro. A peça Riobaldo é o o recorte dos amores de Riobaldo e Diadorim, dois jagunços brabos que se apaixonam. Há a reviravolta final de descobrirmos que Diadorim é mulher, mas é um romance homossexual. No espetáculo, Riobaldo está, aos 65 anos, olhando para o passado e lembrando sua história de jagunço. Mas ele revive esse amor.
Já a segunda peça é um recorte da dialética do bem e do mal, Deus e o diabo. Neste período de jagunço, por amor a Diadorim, e também para ter força e coragem, Riobaldo fez um pacto com o diabo, algo muito comum no folclore do Brasil e do mundo. Quando faz o pacto, ele empenha a própria alma. O homem então está com 65 anos – é preciso lembrar que, no início do século XX, isso significava ser já um vovozinho, com o pé na cova. Então Riobaldo está com medo da morte.
A terceira peça, O Julgamento de Zé Bedelo, é um panorama do sistema de jagunços e coronéis que reinou no sertão mineiro no início de 1900. O coronel então definia as suas regras e tinha sua milícia, que eram os jagunços, os seus braços armados.
Então Grande Sertão: Veredas está erguido sobre este tripé. Há outras leituras também, mas esses são os três principais caminhos de leitura.
Quais são os principais desafios na hora de levar Guimarães Rosa ao teatro?
Na verdade, eu agradeço e deito honras ao meu diretor, Amir Haddad, que é um gênio do teatro. Ele desvendou tudo. No segundo dia de ensaio, pensei em uma peça com movimento, luz e som. Mas ele falou que eu deveria estar sentado, contando a história.
Ele criou um sistema que é similar ao momento da leitura. Quando você lê um livro, você cria um cenário na cabeça, com o estímulo do autor. Quando estou sentado no palco contando a história, estimulo no público a cenografia na mente. O público então experimenta uma sensação similar à leitura guiada pela imagem do personagem narrador, na frente dele.
Como tem sido a recepção dos espetáculos ao longo destes cinco anos? Quais são os retornos que você recebe do público?
Estreei em em 2020 e, desde então só tenho tido felicidades com esse espetáculo. Já fiz várias temporadas no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Brasília, entre várias outras cidades no Brasil e fora dele. Ano passado, o Brasil foi homenageado na Festa Literária de Bogotá, e o governo brasileiro me levou para apresentar no evento, o que foi uma honra.
O resultado é positivíssimo. Recebo feedback do público o tempo todo, e é esse retorno que tem me feito circular, pois não tenho patrocínios. Levo o espetáculo na garra e, graças a Deus, o público do teatro tem me recebido sempre bem.
SERVIÇO | Trilogia Grande Sertão: Veredas
Onde: Teatro Cena Hum (R. Sen. Xavier da Silva, 166 – São Francisco | Curitiba/PR);
Quando: Dias 21, 22 e 23 de março:
- Dia 21/03 – sexta – 20h – Riobaldo – recorte dos amores na obra (Riobaldo e Diadorim);
- Dia 22/03 – sábado – 20h – No Meio do Redemunho – recorte da dialética bem/mal, Deus/diabo;
- Dia 23/04 – domingo – 19h – O Julgamento de Zé Bebelo – panorama dos sistema de jagunços no sertão mineiro;
Quanto: Plateia R$ 30 (meia) e R$ 60 (inteira);
Classificação etária: 16 anos.
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