Na última segunda-feira, 04 de maio, o Brasil foi surpreendido pela notícia da morte de Flávio Migliaccio (1934 – 2020). Ator, produtor, diretor, roteirista e ilustrador, o paulistano nascido no Brás foi um dos principais artistas de sua geração e fez história interpretando personagens que marcaram época no teatro, no cinema e na televisão. Conhecido do grande público principalmente por seus personagens cômicos, como o inesquecível Tio Maneco, o ator saiu de cena definitivamente na última semana de forma trágica, aos 85 anos.
Flávio iniciou sua carreira artística trabalhando com teatro na periferia da cidade de São Paulo de maneira amadora e logo se tornou principal ator e diretor no Teatro da Igreja de Tucuruvi. Nessa época da vida, as dificuldades econômicas não davam folga e Migliaccio dividia-se entre o palco, exercício de fé, e outras profissões com as quais tentava manter, muitas vezes sem sucesso, as contas em dias. Balconista, mecânico, atendente; enquanto pulava de bico em bico, aprendendo um ofício aqui e outro ali, o teatro tornava-se uma vontade constante e a busca pela profissionalização um caminho natural.
O ator, então, inscreve-se no curso do diretor, cenógrafo e crítico teatral italiano Ruggero Jacobbi, nome de peso do famoso TBC. Em seguida, Flávio se profissionaliza e passa a fazer parte de um dos grupos mais importantes de Teatro do Brasil, o Teatro de Arena, onde participa de montagens históricas como Revolução na América do Sul, de Augusto Boal, Eles não usam Black-Tie, de Gianfrancesco Guarnieri, e Chapetuba Futebol Clube, de Vianinha.
O sucesso dos palcos repetiu-se na televisão e no cinema. Ao longo de sua carreira, Flávio atuou em mais de vinte filmes, entre eles os clássicos do Cinema Novo Cinco Vezes Favela e Terra em Transe, trabalhando ao longo dos anos com os principais nomes do cinema nacional como Domingos de Oliveira, Eduardo Coutinho, Glauber Rocha, Joaquim Pedro de Andrade e outros tantos. Flávio também foi responsável por escrever, dirigir e protagonizar os filmes com o seu personagem mais famoso: o Tio Maneco. Impressionante? Pois na televisão o sucesso é ainda maior. O ator trabalhou em mais de trinta novelas, entre elas algumas que marcaram época como Rainha da Sucata e Salvador da Pátria, e participou de programas de humor como Viva o Gordo e Chico Anysio Show.
Ao longo de sua carreira, Flávio atuou em mais de vinte filmes, entre eles os clássicos do Cinema Novo Cinco Vezes Favela e Terra em Transe, trabalhando ao longo dos anos com os principais nomes do cinema nacional.
A história de Flavio Migliaccio funde-se à história do teatro, do cinema e da televisão no Brasil. O ator, que manteve-se ativo até o fim de sua vida (sua última novela foi Órfãos da Terra, de 2019), está longe de ser considerado um mero coadjuvante que passou pelo tempo sem deixar sua marca. Migliaccio foi estrutura, pilar fundamental da cultura brasileira em matéria de atuação. Foi artista e criador que soube como poucos compreender seu tempo e encantar e impressionar multidões não só com seu talento, mas também com sua dedicação e devoção à profissão que escolheu. Poucos, é preciso dizer, fizeram tanto, por tanto tempo e sempre tão bem. Poucos de nós, pouquíssimos aliás, chegaremos aos oitenta e tantos anos com uma obra e uma contribuição tão fecunda e fundamental quanto a de Flávio à nossa cultura.
Migliaccio, que fez muito, nos deixou na última semana desiludido e vencido por essa vida injusta, doída e desgraçada que vivemos. Nos deixou sufocado pelo descaso e vencido pelo desencanto, acreditando que o Ser Humano deu errado. Pode ser, Flávio. Pode ser. Quando olhamos, por exemplo, para Regina Duarte, que não se solidariza com a morte dos artistas do Brasil, temos essa impressão. E pode ser, Flávio, que isso seja mesmo verdade. Mas a vida tem suas curvas, não é linha reta, e aí a gente dá de cara com um cara como você, com a sua contribuição a todos nós, tanto na vida quanto na morte, e chegamos à conclusão de que o ser humano não deu errado, ao menos não todos eles, e a prova definitiva dessa verdade é justamente você, caro Flávio. Você nos mostrou que quando quer amar e lutar por seus ideias o ser humano pode, sim, dar certo, mesmo que nem ele saiba disso.