Trocando Em Miúdos: O Festival de Teatro de Curitiba encerrou a sua 24ª edição no domingo, apresentando 422 peças e reunindo cerca de 200 mil espectadores. O evento tem o título de maior festival de teatro do país e o quinto maior do mundo, mas o que, exatamente, lhe confere grandiosidade?
A primeira, das doze noites do Festival de Teatro de Curitiba, contou com o cercamento de uma praça pública (leia aqui) e com fogos de artifício lançados aos céus curitibanos – um aviso imponente de que algo acontecia. Pouco antes disso, pela primeira vez em seus anos de existência, o Festival teve sua abertura realizada no Teatro Guaíra, com a apresentação de Cinderela, uma produção do Balé Guaíra. O evento iniciou com discursos de Leandro Knopfholz, diretor do festival, Gustavo Fruet, prefeito de Curitiba, Cida Borghetti, vice-governadora do Paraná, representantes de instituições patrocinadoras e apoiadoras, e foi apresentado pelo ator Guilherme Weber. Parece que surge aí a primeira das contradições dessa edição (não sei se são muitas, mas são expressivas): ouvir, dentro do teatro, discursos eloquentes sobre “nosso festival”, “nossa arte”, “nosso balé”, “nossa cultura” e outras manifestações semelhantes, sem que se saiba, realmente, a quem pertencem (e, antes disso, a necessidade de pertencimento).
Por essa razão, a abertura surge como um acontecimento para se analisar a estrutura e a maneira com que esse festival existe. O orçamento de 2015 foi de R$ 6,5 milhões (leia aqui) com realização do Ministério da Cultura, a apresentação por parte do Itaú e da Tradener, com o patrocínio da Renault, da Petrobras, da Copel, da Fundação Cultural de Curitiba/Prefeitura de Curitiba, da UEG Araucária e ainda com o apoio da Itaipu Binacional. Ainda em relação a números, foram apresentadas 29 peças na Mostra Oficial, com ingressos que custavam R$ 60 e R$ 30 (meia entrada), e 393 no Fringe, cujos preços variavam entre R$ 60 até produções gratuitas.
A forma com que o teatro é apresentado, a divisão entre a Mostra Oficial e o Fringe, faz surgir a ideia (muitas vezes usada como slogan) de que isso tudo se trata de “uma vitrine do teatro brasileiro”. A vitrine a que se referem me parece se fazer muito mais presente no Fringe, do que propriamente na Mostra Oficial – reunião feita por curadoria (que, como toda e qualquer escolha, é também um ato de abandono, e bem por isso plausível de crítica, identificação e reações de toda natureza). Aqui, dois movimentos interessantes: uma mostra que surge pronta a partir de critérios alheios e desconhecidos da maior parte do público e, todavia, um espaço democrático cuja escolha ou é fruto do acaso ou, de algo muito mais instigante, o convite, a pesquisa, a descoberta, a troca, o boca-a-boca.
“A democracia se encontra no fato de existirem possibilidades para “todos os gostos”, ou está na possibilidade de todos terem acesso a ‘tudo’?”
A 2ª edição do MITsp realizada esse ano, também com o envolvimento do Banco Itaú, acabou gerando inevitáveis comparações entre os festivais em questão – especialmente por se considerar o festival realizado em São Paulo um possível concorrente direto ao realizado em Curitiba. Vários aspectos foram confrontados: valores dos eventos, preços de ingressos, organização, questões envolvendo a curadoria, etc. O Festival de Curitiba, de fato, soa um tanto desproporcional a outros realizados em território nacional (e mesmo alguns a nível internacional): o seu tamanho parece indicar uma métrica sem parâmetros próximos. A quem se destina um festival cuja programação é intensa e – dependendo da finalidade – excessivamente cara? Há espaço para a coabitação de “participantes” de um festival e de um espectador sazonal de teatro? E, nesse sentido, a democracia (ou mesmo a vitrine) se encontra no fato de existirem possibilidades para “todos os gostos”, ou está na possibilidade de todos terem acesso a “tudo”?
Longe de esgotar a quantidade de perguntas e, bem mais longe ainda, as possíveis respostas, alguns questionamentos surgem como pistas para se pensar em uma reestruturação ou mesmo um aperfeiçoamento de coisas que funcionam ou não com êxito.
Paralelamente a essas discussões, gostaria de me atentar a um movimento bastante importante, aos meus olhos: a presença de Curitiba no seu próprio festival. Não é frequente a existência de peças locais na mostra oficial (ainda que nessa edição a peça Ensaio para um Adeus Inesperado tenha feito parte da grade), que é tomada, majoritariamente, por peças do eixo Rio-São Paulo, quando não com presenças estrelares. E isso é uma constatação. Curitiba, então, se perde no mar do Fringe – sim, é bastante fácil se perder – ou habita os espaços das mostras especiais, nesse ano, estruturadas com maior atenção. Foram dez mostras especiais na 24ª edição, sendo oito com produções curitibanas e sete especificamente de teatro: Mostra de Teatro Universitário Grutum!, Gloriah Vigor Mortis, 20 anos do Pé no Palco, Ilíada Homero Grécia 2016, Mostra Ave Lola, Dramaturgia Sesi e Novos Repertórios.
Embora seja um bom momento para assistir a espetáculos de outros estados e também de outros países, já que estão na cidade, acompanhar a produção curitibana parece-me necessário. Portanto, a coluna Intersecção, com o foco na capital paranaense, se propôs a olhar, com maior cuidado, para as mostras especiais. Nos próximos textos, então, considerações sobre pelo menos uma peça de cada mostra. Acompanhe!