Estou conformada que possuo uma relação de amor e ódio com a novela A Força do Querer, da Rede Globo. Adoro a trama, a construção do texto e as escolhas dos atores (até o Fiuk está me surpreendendo), mas confesso que algumas histórias paralelas (como a do casal Jeiza e Zeca) e determinadas cenas têm me deixado bastante indignada.
Nesta última segunda-feira, dia 24, foi ao ar (veja aqui) a tão esperada cena em que Irene, personagem de Débora Falabella, levou uma surra de Ritinha (Isis Valverde) e Joyce (Maria Fernanda Cândido), após provocar a rival no banheiro de um restaurante. É triste que a autora tenha apelado para este tipo de recurso, que, além de ser um gigantesco clichê, só serve para três coisas: alavancar audiência, perpetuar o mito de que mulher é inimiga de mulher e reforçar o estereótipo feminino descontrolado.
Já passou da hora de as novelas mostrarem união e força entre as mulheres e cobrarem, também, a responsabilidade dos homens quando eles são motivo de desavenças.
Se os propósitos da autora eram esses, deu certo. Este foi o momento mais aguardado, comentado e repercutido da trama até aqui, talvez até da história de Glória Perez na teledramaturgia. E isso é um grande feito, já que A Força do Querer é a novela de maior audiência da TV brasileira nos últimos quatro anos. Durante a exibição do capítulo, “Irene” foi o assunto mais falado no Twitter no mundo todo, liderando os trending topics.
Mas em um momento em que debates sobre feminismo e sororidade estão cada vez mais em alta, em pleno ano de 2017, não pode ser considerado natural que uma briga entre mulheres, em decorrência da traição de um homem, ainda atraia a atenção dos telespectadores.
Vamos lá, o motivo da briga foi: Eugênio, vivido por Dan Stulbach, marido de Joyce, teve um caso com Irene. Tudo bem, a amante é sociopata, planejou diversas armações e se fingiu de amiga de Joyce para poder manipulá-la; sabemos que ela agiu sem escrúpulos algum, porém – tirando o fato da amizade -, nem a Joyce e nem ninguém sabe disso. Sendo assim, o motivo da briga é um homem e ela ocorre com a mesma lógica machista perpetuada na história da dramaturgia televisiva: a personagem descobre que foi traída por seu par e pela vilã e se precipita a tomar satisfações com ela, não com ele. Tanto é assim que Eugênio sai bonitão da briga, apenas com a ameaça do pedido de divórcio.
E, como já reconhecido por esta coluna anteriormente, as novelas possuem uma grande influência cultural na sociedade, sendo assim, o público se espelha no que vê. Em uma cena de briga como a de segunda-feira, várias mulheres foram representadas: muitas, por terem sido amantes, podem ter sentido pena de Irene, e muitas, por terem sido traídas, se viram na pele de Joyce e, por causa da cena, podem se sentir incentivadas a agir da mesma forma e partir para a briga. Mais um prejuízo prestado, afinal, violência gera violência.
Em outro texto, já havia comentado sobre Glória Perez estar trazendo novos elementos ao seu texto e quebrando padrões que sempre eram vistos em suas histórias. Porém esta cena vai na contramão disso. Não é a primeira vez (nem a segunda, nem a terceira …) que a autora usa esse tipo de artificio:
Em O Clone (2001), a personagem Alicinha (Cristiana Oliveira) levou uma surra de Yvete (Vera Fischer) após dar em cima de Leônidas (Reginaldo Faria). Em América (2005), o motivo foi um pouco diferente: a personagem Creusa (Juliana Paes), que bancava a religiosa fiel ao marido enquanto aprontava loucuras na ausência dele, apanhou da sogra Diva (Neuza Borges), que a encontrou em casa com outro homem. Em Caminho das Índias (2009), Melissa (Christiane Torloni) encurralou Yvone (Letícia Sabatella) em – adivinhe? – um banheiro e deu-lhe uma surra por ela ter se envolvido com seu marido, Ramiro (Humberto Martins). Já em Salve Jorge (2012), as surras eram rotineiras na trama (veja aqui).
A insistência em mostrar mulheres brigando em novelas, qualquer que seja a razão, é apenas e tão somente um grande desserviço. Já passou da hora de as novelas mostrarem união e força entre as mulheres e cobrarem também a responsabilidade dos homens quando eles são motivo de desavenças – sem violência física, de preferência. Afinal, nós não precisamos brigar por causa de homem e nem por qualquer outro motivo, pois isso só reforça o mito de que somos inimigas. Essa ideia serve apenas para nos desunir, porque a resistência machista sabe que unidas somos mais forte e temos muito poder.