Qualquer indivíduo que já se aventurou na busca de uma cara metade pode assegurar um fato: os movimentos românticos são como uma dança. Se um dos pares dá um passinho, o outro precisa acompanhar no mesmo compasso. Se isso não acontece, os dois se embolam, e a dança descamba para a briga, ou para o constrangimento – se tem algo feio é quando duas pessoas tentam dançar, mas não conseguem seguir o mesmo fluxo. Os códigos do encontro amoroso são muito semelhantes: não há nada mais bonito que ver duas pessoas que, em meio a tanto desencontro, encontram o mesmo ritmo. Do mesmo modo, não há nada mais ridículo que ver duas pessoas descompassadas em seus propósitos sentimentais.
Presentes na televisão desde seu início, os formatos de “namoro na TV” são irresistíveis justamente por isso: atendem os nossos desejos voyuerísticos de espiar, afastados, a beleza e o constrangimento desses movimentos. Tal como juízes do coração, nós somos inevitavelmente seduzidos para observar como as pessoas agem quando estão atrás de alguém para amar. Não por acaso, há sempre pelo menos um programa neste formato que está no ar em alguma emissora, e geralmente revestido pelo espírito de uma época. Se em algum momento nos divertimos no comportado bailinho de Silvio Santos em Em Nome do Amor, e noutro vimos desconhecidos se beijarem em Fica Comigo?, na MTV Brasil, hoje o hedonismo é a marca do quadro “Rola ou Enrola”, exibido no Programa da Eliana, no SBT.
Um novo reality show estreou essa semana buscando investir na mesma seara. À Primeira Vista é a mais nova atração da Band, com produção da Eyeworks (responsável, por exemplo, por O Mundo Segundo os Brasileiros, Polícia 24 Horas e Programa do Porchat). Há, inclusive, uma certa unidade estilística entre todos esses programas, algo que se consolida especialmente na edição, com o uso de cortes e efeitos sonoros semelhantes (curiosamente, a sonoplastia colocada em À Primeira Vista remete muito à feita em Polícia 24 Horas).
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Com estrutura simples – o programa promove encontros às escuras em um restaurante entre pessoas solteiras com perfil semelhante -, a julgar pela estreia, À Primeira Vista promete ser uma atração bem divertida. Um maître personificado pelo ator Luigi Baricelli (que já apresentou o reality Escola de Maridos, com pegada semelhante) recebe no restaurante os dois pretendentes que falam de suas expectativas sobre o amor e partem para o encontro. Lá, eles também são atendidos por um barman hipster e por duas garçonetes modernas e espirituosas, que trazem um verniz cool a algo que, a princípio, seria só mico e constrangimento. Ao fim do jantar, os participantes são interrogados se gostariam de ter um segundo encontro, e é essa a definição se o casal deu match ou não.
![O staff do restaurante de À Primeira Vista](http://www.aescotilha.com.br/wp-content/uploads/2017/06/A-Primeira-Vista-Staff.jpg)
A diversão, é claro, surge daquilo que não se pode controlar: nos lapsos de espontaneidade que se tem ao vermos alguém que está portando as melhores “armas” no intuito de mostrar-se alguém desejável para o outro. Não por acaso, o programa anuncia ter sido gravado em câmeras escondidas e que estão instaladas no restaurante. A promessa, portanto, é que sejamos como “espiões” olhando para essas pessoas e suas situações a partir de um vidro, como se elas não soubessem que estão na televisão.
Os códigos do encontro amoroso são muito semelhantes à dança: não há nada mais bonito que ver duas pessoas que, em meio a tanto desencontro, encontram o mesmo ritmo.
Sendo assim, a atração, obviamente, se situa nos pretendentes e naquilo que eles fazem nesta ingrata dança do amor. Os sentimentos de vergonha alheia são os mais frequentes – é o que se sente, por exemplo, quando uma participante, Aline, se apresenta como uma femme fatale viciada em sexo e que gosta de constranger as pessoas, ou quando o excessivo Milton declara-se apaixonado pela Miss Rio Claro 94 que agora janta com ele. Os idosos, aliás, parecem ser os mais peculiares. Definindo-se como ousado, o participante Luiz (que vestia a “camisa mais rosa do mundo”, conforme descreveu um tweet exibido no programa), sugeriu que Izabel, com quem jantava, fosse ao banheiro e trouxesse a calcinha a ele, tal qual Sharon Stone em Invasão de Privacidade. Mais constrangedor, impossível.
A matéria prima deste tipo de programa, deste modo, é principalmente o humor que provém do descompasso, da impressão de ver alguém sendo patético – e a sensação (certamente falsa) de que, se fôssemos nós naqueles papéis, estaríamos mais adequados. Como apontou o crítico Maurício Stycer, a graça de À Primeira Vista é que ele parece configurar como uma grande lição sobre o que não fazer em um primeiro encontro. É como se a toda a audiência fosse formada por árbitros que avaliam, do alto da nossa experiência, aquilo que se deve ou não fazer neste tipo de situação.
Simples e divertido, o programa consolida o atual “talento” da Band na produção dos reality shows – o formato sustentado pela premissa da banalidade da “vida real”e que, mesmo com tantos críticos, parece ainda ter uma longa vida no Brasil.