Friday Night Lights é quase uma unanimidade quando o assunto é séries da nova era da televisão norte-americana (e mundial, por que não?). Talvez por isso tenhamos visto tão poucas empreitadas no esporte no universo das séries desde o fim de FNL. Foi essa energia que criou um cenário de empolgação quando a The CW anunciou All American como novo drama de seu fall season.
Claro, havia também desconfiança. Explica-se: o The CW é tradicionalmente uma emissora com um perfil muito mais jovem, transitando aqui e ali com o jovem-adulto. Sem delongas, a sentença: All American tem seu valor, ainda que soe exageradamente como uma versão alternativa de The OC, em que o cenário é majoritariamente Beverly Hills, mas o protagonista (e boa parte dos personagens) é negro.
A comparação não é disparatada. Criada por April Blair, All American é inspirada na vida do ex-linebacker do New York Giants, Spencer Paysinger. Na série ele é Spencer James (Daniel Ezra, que se sobressai mesmo com as limitações do seriado), estudante e jogador colegial de futebol americano que vive em Crenshaw, bairro pobre de Los Angeles. Criado por sua mãe (Karimah Westbrook) juntamente com seu irmão mais novo (Jalyn Hall), ele vive dia a dia alimentando grandes sonhos, obviamente limitados em virtude de sua condição social.
Sua vida dá uma guinada quando o treinador de um colégio de Beverly Hiils, Billy Baker (Taye Diggs), oferece a oportunidade de Spencer ir treinar na escola onde comanda a equipe de futebol americano. Pensando que essa mudança pode representar, especialmente, uma futura melhoria de vida para seus familiares, ele acaba por mudar não apenas de escola, mas também indo morar na residência do treinador, em Beverly Hills. A partir deste ponto, a trama se desenvolve em cima dos conflitos gerados especialmente por questões sociais.
É realmente digno de elogios que uma emissora com audiência jovem dê espaço a uma série com protagonistas majoritariamente negros.
Além da óbvia ligação com The OC, All American peca em muitos aspectos. É realmente digno de elogios que uma emissora com audiência jovem dê espaço a uma série com protagonistas majoritariamente negros, que mostra (parcialmente) a realidade de bairros pobres de uma das maiores cidades norte-americanas, inclua personagens LGBT de forma natural e demonstre que o sucesso (sob as mais variadas formas) é viável à população negra. Contudo, o enredo é cheio de situações difíceis de crer.
Personagens negros são os mais populares da escola de um dos bairros mais ricos de Los Angeles sem que sejam vítimas de nenhuma espécie de preconceito racial (inclusive, há uma cena em que um personagem rico é confrontado com o racismo institucional da polícia que é digna dos piores momentos do folhetim Malhação); todos os personagens possuem corpos esculturais, são elegantes e descolados; a violência é exclusiva dos bairros pobres da cidade, como se todo o restante fosse cercado por uma bolha; os adolescentes vivenciam apenas problemas de adultos, como alcoolismo e vício em drogas, por exemplo.
Claro, se há elaborações pouco realistas, há outras que foram muito bem concebidas, especialmente Crenshaw. Esse núcleo recebeu, inclusive, elogios de associações e grupos ligados ao bairro. Em última análise, também é preciso ter em mente que All American, com todas suas distorções, tem um caráter propositalmente didático para parte do público a que se destina. Mas, acima de tudo, a já anunciada renovação para uma segunda temporada é oportunidade para seguir acompanhando o excelente Ezra, que dá vida a um Spencer James repleto de camadas – principalmente se você não esquecer que estamos falando de um programa do The CW.
https://www.youtube.com/watch?v=jtyDAiyAed0