Em recente coluna no site Premier League Brasil, o jornalista britânico radicado no Brasil Tim Vickery tratou de explicar uma diferença crucial entre o futebol brasileiro e o inglês, que serve perfeitamente como introdução à análise de Bem-Vindos ao Wrexham, série documental no catálogo da Star+.
Nas palavras do jornalista, “a definição brasileira de ‘time grande’ não funciona na Inglaterra”. Sou partidário da concepção de Tim, a qual ele brilhantemente expõe no artigo, e digo que ela é grande responsável pelo o que funciona na série originalmente exibida no FX. Ou seja, Bem-Vindos ao Wrexham dificilmente funcionaria em uma realidade nacional, o que também pode dificultar que o público compreenda as nuances escondidas na produção.
‘Bem-Vindos ao Wrexham’: ‘Ted Lasso’ da vida real
Se você caiu de paraquedas nesse texto, explico do que o seriado trata. No início de 2021, os atores de Hollywood, Ryan Renolds e Rob McElhenney, que além de estrelas eram amigos virtuais (sim, ainda há essa camada), decidem adquirir um clube do futebol inglês, mesmo tendo conhecimento quase nulo sobre o esporte.
Após criteriosa análise, na qual contam com ajuda de pessoas que entendem de gerenciamento esportivo, adquirem o Wrexham, clube mais antigo do País de Gales (a liga galesa é muito recente, por esta razão muitas equipes do país disputavam as divisões inglesas, sendo que hoje apenas três continuam), o terceiro time profissional mais antigo do mundo ainda em atividade.
O primeiro ano de Bem-Vindos ao Wrexham possui 18 episódios, e funciona como uma espécie de Ted Lasso da vida real. E isso ocorre em grande parte pelo que Tim Vickery explica em seu texto: na Premier League, a relação entre os clubes e as cidades (ou bairros, no caso londrino) é muito forte, geralmente fazendo parte da vida cotidiana.
Não à toa, Bem-Vindos ao Wrexham passa os primeiros episódios explicitando essa relação ao apresentar os personagens coadjuvantes, os torcedores fervorosos do clube, que devotam até mesmo partes preciosas de suas vidas para auxiliar nas atividades da equipe ou do estádio, mesmo fora dos dias de jogos.
Equilíbrio entre comoção e promoção
O primeiro ano de Bem-Vindos ao Wrexham possui 18 episódios, e funciona como uma espécie de Ted Lasso da vida real.
A Premier League é a maior liga de futebol do mundo, com os principais astros dentro e fora de campo, onde as maiores cifras do esporte circulam. Mas tirando os chamados “big six” (Arsenal, Chelsea, Liverpool, Manchester City, Manchester United e Tottenham), os gigantes do campeonato, a PL é o lar dos clubes locais, pequenos e charmosos.
E nesse aspecto, Bem-Vindos ao Wrexham é eficaz, contando a história de uma cidade comum que passa por dificuldades e necessita de um impulso. Essa abordagem comovente e inspiradora retrata as esperanças, desafios e emoções dos moradores e torcedores, criando uma conexão emocional com o público. Esse recorte cria uma narrativa mais ampla, dando profundidade ao documentário.
No entanto, apesar do interesse genuíno de Rob McElhenney e Ryan Reynolds em se envolverem com a comunidade e o clube, a produção tem um viés claro em direção à fama dos protagonistas, dando atenção excessiva aos astros de Hollywood. Não faltam momentos em que o foco da narrativa é retirado das pessoas e da comunidade de Wrexham e posto nos atores.
E se o seriado acerto em retratar a comunidade local com respeito e não como cobaias de um experimento (os novos donos atraem patrocinadores, aumentam a visibilidade do clube, dão suporte financeiro à cidade e alimentam a possibilidade do clube ter sucesso), não consegue esconder que tem uma aparente orientação para a audiência norte-americana, quase como propaganda mesmo.
O desafio do spoiler oriundo da vida real
Bem-Vindos ao Wrexham trouxe, como já citado, os holofotes para a equipe do País de Gales. Basta procurar nos principais jornais do mundo, e não apenas nos esportivos, e as menções ao rendimento do clube na Premier League explodiram. Acontece que, para quem se atrai pela série documental, saber os resultados esportivos do time pode tirar um pouco o brilho.
Com a segunda temporada em produção, o conhecimento geral do que aconteceu dentro de campo faz com que a produção da FX necessite de um esforço extra em entregar mais camadas de seus personagens secundários. São eles que dão cor e dimensão ao programa. E apenas eles podem fazer com que o show mantenha-se original, e não somente uma versão americanizada de All or Nothing, série documental original da Prime Video que segue clubes de futebol reais ao longo de uma temporada.
ESCOTILHA PRECISA DE AJUDA
Que tal apoiar a Escotilha? Assine nosso financiamento coletivo. Você pode contribuir a partir de R$ 15,00 mensais. Se preferir, pode enviar uma contribuição avulsa por PIX. A chave é pix@escotilha.com.br. Toda contribuição, grande ou pequena, potencializa e ajuda a manter nosso jornalismo.