Não há qualquer novidade em dizer o óbvio: nós, brasileiros, adoramos um reality show. Mais de dezessete anos se passaram desde a estreia de Big Brother Brasil, um marco do formato no país, e nós continuamos fissurados em programas em que a graça é ver lampejos de alguém “real”, e não um ator que representa um papel. Basta pegarmos as grades das emissoras que constatamos que as opções são diversas: vão das atrações culinárias (MasterChef Brasil, Mestres do Sabor), passando pelas competições musicais (Canta Comigo, The Voice, PopStar) aos realities de convivência (De férias com o ex, A Fazenda, Power Couple Brasil).
Nossa tradição no gênero é tão forte que, depois de quase duas décadas, começamos a assistir a um estranho fenômeno: o surgimento de personalidades que se tornaram quase “profissionais de reality shows”, pessoas que se tornaram famosas praticamente por terem aparecido em um programa desses – e que parecem sempre propensos de participar de mais um. Vejamos: no elenco da atual edição de A Fazenda, há duas egressas de De férias com o ex, uma ex-participante do impagável Mulheres ricas, além de diversos oriundos de Big Brother Brasil e Power Couple Brasil (e Diego, especificamente, participou dos dois, sendo A Fazenda, portanto, seu terceiro reality).
Além disso, dois programas atuais estão investindo com edições com “celebridades” do gênero: MasterChef A Revanche, da Band, e De férias com o ex Celebs, da MTV, exibem um comeback de sujeitos que teriam ficado muito queridos em suas primeiras participações. Quase como se fossem uma “elite” dos reality shows, eles retornam aos programas para sedimentar – ou destruir – uma fama curiosa e impensável até há poucos anos. São celebridades por serem celebridades, por razões imponderáveis – ou, olhando de uma forma menos pessimista, são famosos por causa das “personalidades” que exibiram nestas atrações.
A televisão consegue criar celebridades autossuficientes, que só existem dentro dela. Se há alguns anos havia algum escândalo no culto dos famosos, hoje vivenciamos uma etapa em que esse espanto já passou.
Se formos pensar, esta ideia é toda surreal, pois se baseia numa lógica circular: a televisão consegue criar celebridades autossuficientes, que só existem dentro dela. Se há alguns anos havia algum escândalo no culto dos famosos – vide a existência de novelas como Celebridade, em 2003, que ironizava a busca pelos holofotes a todo custo -, hoje vivenciamos uma etapa em que esse espanto já passou. Não é preciso mais justificar: ser famoso virou uma profissão que se explica em si mesma, e há todo um fandom baseado no deboche que está disposto a cultuar a falta de noção de certos “profissionais dos realities”. É o exemplo de Gretchen, tão explorada nos programas desse tipo que sua figura gerou uma espécie de spin-off de sua vida digital: o reality show Os Gretchens, em que expunha toda a sua família em rede nacional.
Mas ex-participantes de reality shows são bons participantes de reality shows? A julgar pelos programas atualmente em exibição, há controvérsia. No caso de A Fazenda, por exemplo, os melhores personagens – no sentido de causar maiores intrigas, ou seja, de fazer a história girar, como Tati e Bifão de De férias com o ex (parafraseando o crítico Chico Barney: “as melhores pessoas de reality show são justamente aquelas que gostaríamos de jamais conviver na vida real”) – têm sido eliminados nas “roças”. O que sugere, de alguma forma, que investir nos “cânones” do reality não é exatamente uma garantia de sucesso entre o público. Já o próprio De férias com ex, versão “celebridades”, não mostrou a que veio: os adolescentes hedonistas do reality, que protagonizam esse grande programa sobre sexo e as tretas causadas por ele, conseguem tornar a inusitada atração ainda mais desinteressante.
O mais provável, me parece, é que muitas vezes os maiores prejudicados são os próprios participantes. Em busca de mais tempo sob os holofotes, certas celebridades televisivas optam por perder o pouco capital simbólico que lhes restava. Um caso clássico é o que ocorre com algumas das drags mais queridas do RuPaul’s Drag Race, que constroem fama mundial e depois resolvem voltar, com altos custos à sua reputação, no programa All Stars, competição entre as mais marcantes. Latrice Royale, por exemplo, deixou de ser um símbolo de humildade e superação e passou a carregar uma pecha de arrogante depois de seu retorno.
Mesmo caminho talvez ocorra em MasterChef A Revanche, que reuniu um elenco selecionado a dedo entre as 6 temporadas já exibidas. O adolescente Helton – retratado como uma espécie de menino prodígio da competição, cujo talento se sobrepunha à maturidade – conseguiu deixar o programa como primeiro eliminado, e passando por ainda mais antipático e mimado. Já Fernando, “vilão” da segunda temporada, tem apostado num perfil mais dócil, talvez em busca de maior longevidade. No entanto, os resultados do investimento feito nas “celebridades” de MasterChef não parece ter sido a melhor das ideias.
De todo modo, o fato de que as emissoras estão apostando na repetição de seus elencos talvez se torne uma jogada de mestre ou um tiro no pé. Por enquanto, a julgar pelo saldo do que estamos assistindo, a segunda opção parece ser a mais provável.