No texto sobre a primeira semana de Verão 90, comentei sobre o fato dela ser uma novela repleta de referências, com o intuito de ser uma trama nostálgica. E, com isso, faz muitas homenagens às telenovelas da época. A questão é que a sensação nostálgica está passando e dando lugar à sensação de “mais do mesmo”.
Um dos enredos principais escritos por Paula Amaral e Izabel de Oliveira traz um filho mau caráter, que vai parar na cidade grande (Rio de Janeiro) e busca enriquecer aplicando golpes. A mãe começa uma busca incansável pelo filho, que tem vergonha dela por ela vender marmita. Sensação de já ter visto isso antes? É porque já viu, na história central da inesquecível Vale Tudo, produção de Gilberto Braga, Leonor Bàsseres e Aguinaldo Silva, exibida em 1988, e reprisada no Canal Viva recentemente.
Em Vale Tudo era Raquel (Regina Duarte) que estava atrás da filha Maria de Fátima (Glória Pires). Em Verão 90, Janaína (Dira Paes) é a mãe que busca pelo filho fujão, Jerônimo, interpretado por Jesuíta Barbosa. O ponto de partida de ambas as tramas é uma pequena cidade do sul do país. E enquanto Fátima vendeu sua própria casa para viajar à cidade maravilhosa, Jerônimo preferiu roubar as economias de Celestine (Bel Kutner), dona da pousada na qual sua mãe cozinhava.
O modo de sobrevivência de Fátima e Jerônimo no Rio de Janeiro também é bem parecido: ambos se valem de golpes para conseguir se aproximar da elite, com a justificativa de que não nasceram para serem pobres. O discurso da vergonha de suas mães está incluído em cenas de ambos os personagens, com direito a cenas em que eles humilham as mães em uma discussão.
A simples repetição de histórias, disfarçadas sob a aura de “referências”, pode ter o efeito de afastar o telespectador, pois ninguém aguenta assistir a 6 meses de uma colcha de remendos.
E quanto às semelhanças das mães, ambas se valem de seus talentos culinários para ganhar dinheiro, vendendo quentinhas. Em Vale Tudo, Raquel conseguiu abrir um restaurante, e esse é o sonho de Janaína em Verão 90. E em ambas as tramas, a “pobre mulher” se apaixona pelo marido de uma ricaça e enfrenta a sogra do amado, que oferece dinheiro para que a filha não sofra ainda mais, afinal, a moça tem problemas com bebida.
Na última semana, uma cena clássica de Vale Tudo, na qual a vilã Odete Roitman (Beatriz Segall) defende Maria de Fátima diante das acusações da mãe, foi recriada. Na atual trama das 19h, o papel coube a Totia Meireles, no papel da ricaça malévola Mercedes, que defendeu Jerônimo das acusações de Janaina.
E no capítulo desta segunda-feira (dia 11 de março), a vigarista Vanessa, interpretada por Camila Queiroz, deu uma banana para as câmeras antes de entrar no avião rumo a Londres. O gesto é uma clara referência ao final de Vale Tudo, quando o vilão Marco Aurélio (Reginaldo Faria) foge do Brasil dentro de um jatinho e, impune, faz este mesmo gesto para o público.
Quer mais semelhanças? Confira essa lista feita pelo Gshow.
Mas temos personagens de outras tramas também: o mocinho João (Rafael Vitti) foi incriminado por um crime que não cometeu e terá que passar um bom tempo atrás das grades. Em 1992, em Despedida de Solteiro, Xampu (João Vitti) também foi injustiçado e preso, apesar de ser inocente. As coincidências ficam ainda mais fortes quando lembramos que João Vitti é pai de Rafael Vitti.
A personagem Manuzita (Isabelle Drummond) é visivelmente inspirada em uma das personagens mais icônicas de Claudia Raia, que faz sua mãe na novela, a Adriana, de Rainha da Sucata (1990). Manu tenta se firmar como atriz, apesar de não ser boa. Adriana desejava ser bailarina, mas não tinha o menor talento.
Um dos grandes problemas nestas “referências” é que Verão 90 é uma comédia, exibida no horário das sete. Vale Tudo era uma novela realista, dramática. As recriações ganham tons exagerados na trama de Izabel de Oliveira e Paula Amaral, chegando a parecer mais uma paródia.
O outro problema é que essa reprodução de enredos, situações e cenas inteiras expõe a falta de originalidade de Verão 90. Sabemos que as novelas obedecem, de fato, a alguns mesmos padrões, mas a simples repetição de histórias, disfarçadas sob a aura de “referências”, pode ter o efeito de afastar o telespectador, pois ninguém aguenta assistir a 6 meses de uma colcha de remendos.