Houve um tempo, que os mais jovens já não testemunharam, que uma novela era um evento nacional. Era uma época em que havia bem menos opções de entretenimento, e os folhetins televisivos desempenhavam uma função gigante na forma que um país se enxergava. Dependendo da repercussão, era até comum que as pessoas saíssem correndo do trabalho ou deixassem de fazer outras coisas para não perder um capítulo de sua novela preferida.
Pantanal, da Manchete, foi um exemplo muito claro de uma novela-evento. Não é exagero dizer que, quando foi exibida, em 1990, uma boa parte do país se mobilizou para conversar sobre ela. Afinal, havia ali um produto bastante intrigante: uma novela sombria, extremamente lenta, que levava os brasileiros para visitar – nem que seja pela tela – um território tido como inóspito, intocado, e lugar de tantas histórias que beiram o inexplicável.
Tudo isso serve para dizer que o remake da novela na Globo, 32 anos após de sua exibição original, é visto como o maior evento de televisivo de 2022 – pelo menos até o momento. Com uma grande campanha pré-lançamento, Pantanal mobiliza enormes expectativas, tanto financeiras, quanto em termos de repercussão. E a julgar pelo primeiro capítulo, pode-se dizer que a expectativa para assistirmos a uma novela que faça jus à anterior segue em pé.
Pantanal e sua importância histórica
A novela Pantanal da Manchete continua, depois de três décadas, pontuando como um marco importantíssimo na história do entretenimento televisivo. E uma das razões mais fortes é: ela não foi feita pela Globo. Inclusive, é um dos poucos produtos criados por concorrentes que, de fato, ameaçou a hegemonia da emissora global, roubando audiência e fazendo com que o principal canal do Brasil tivesse que correr atrás do prejuízo. Programas de bastante audiência e qualidade, como o humorístico TV Pirata, chegaram ao fim justamente por não conseguir combater a “ameaça” da Manchete.
Escrita por Benedito Ruy Barbosa, Pantanal foi originalmente oferecida para a Globo no início dos anos 80, com o nome de “Amor Pantaneiro”. Ela chegou a ser estudada pela equipe de produção, que concluiu que seria inviável executá-la, uma vez que as locações no Mato Grosso do Sul eram complicadas e pouco acessíveis. Chegou-se a cogitar que ela fosse gravada no Rio de Janeiro, mas o autor bateu o pé: ela teria que ser no Pantanal. Acabou sendo engavetada na Globo até 1989 – e, em 1990, foi vendida para a Manchete, que colocou o plano em prática.
A novela foi um sucesso quase imediato. Dirigida por Jayme Monjardim, ela apostava em uma linguagem diferente, mais sombria, e excessivamente lenta, mesmo para os padrões da época. Embora a história fosse cativante, o próprio Pantanal era um grande personagem. As tomadas eram abertas e focavam na natureza desta região, que configura um dos principais biomas do país.
Pantanal gira em torno de uma trama complexa, que envolve a relação do homem com a natureza, os conflitos do amor entre pai e filho, o amor romântico entre um casal e as vozes ancestrais que circulam na mata. Tudo isto está presente na história. O par romântico central, vivido por Marcos Winter (que faz o filho de José Leôncio, protagonista da novela) e Cristiana Oliveira (Juma Marruá) foram alçados instantaneamente à fama.
Mas, sem dúvida, a estrela mais reluzente da novela foi a Juma de Cristiana Oliveira, que ficaria para sempre marcada pelo papel. A mulher meio arisca, meio bruta e delicada ao mesmo tempo, entraria para sempre no imaginário popular – especialmente por conta de sua relação com a onça, animal em que se transforma quando passa por situações de perigo.
A estreia na Globo
Pantanal retorna para a emissora para a qual originalmente foi pensada com uma grande responsabilidade: a de fazer jus ao legado do folhetim da Manchete. Os capítulos da nova versão, aliás, são escritos por Bruno Luperi, neto de Benedito Ruy Barbosa.
A estrela mais reluzente da novela foi a Juma de Cristiana Oliveira, que ficaria para sempre marcada pelo papel. A mulher meio arisca, meio bruta e delicada ao mesmo tempo, entraria para sempre no imaginário popular
O primeiro capítulo, exibido no dia 28, já trouxe o ar grandioso esperado a uma novela como essa. Em ritmo mais lento que o típico das novelas atuais, a história de Joventino, o patriarca de uma família simples de peões que têm o domínio dos segredos do Pantanal, e seu filho José Leôncio, começou a ser contada no embalo que se espera de uma trama desenrolada em ambiente rural.
É impossível não retomar aqui que o grande destaque, sem dúvida, é a performance de Irandhir Santos, um dos maiores atores brasileiros e que, nos últimos anos, tem emprestado seu talento também à televisão (em Amor de Mãe, ele fazia o vilão Álvaro). Irandhir está impecável enquanto o sujeito sábio, com características quase mitológicas, que têm o poder de dominar os animais. A cena em que ele e o filho José Leôncio encaram uma cobra que pode atacá-los ilustrou bem o espírito do personagem.
Outra grande riqueza do remake está na estratégia oportuna de trazer atores do folhetim original para participar da nova versão, em outros papéis, condizentes com suas idades atuais. Paulo Gorgulho e Marcos Palmeira são dois exemplos. É preciso também destacar a qualidade estética do primeiro episódio, filmado dentro do que se espera do mais alto padrão da Globo. O que se viu foram tomadas de encher os olhos, como cenas (provavelmente feitas com câmeras em drones) do gado passando, dos rios exuberantes, além de belíssimas cenas dos personagens à contraluz. Em muitos momentos, parecíamos estar diante de um filme (cuja produção, por conta do tempo, costuma ser bem mais detalhada) que de uma novela, inevitavelmente atrelada à produção diária.
A julgar pelo primeiro capítulo, Pantanal parece ter as condições de se tornar uma nova novela-evento em um tempo de audiência totalmente pulverizada em atrações que não têm fim. Resta esperar para ver se o público corresponderá à altura.
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