Se há uma audiência desafiadora para as emissoras de televisão, é a formada pelos pré-adolescentes. Recém-saídos da infância (e por isso, desinteressados da programação para essa faixa), e ainda pouco atraídos para as atrações mais maduras, esta população é ainda um enigma para a TV aberta justamente porque encontra conforto em outras plataformas. Em outras palavras, os adolescentes costumam se identificar mais com a linguagem provinda das redes digitais, como a empregada pelos youtubers – mais livres e espontâneos do que os controlados protocolos empregados à televisão.
Digo isso porque o Programa da Maisa, nova atração do SBT é, em suma, uma clara tentativa de cativar este público ao explorar o carisma desta grande estrela televisiva. Espécie de talk show, tudo no programa indica uma forte continuidade com o que fazem os mais populares youtubers que falam com pré-adolescentes. Os termos usados pela apresentadora e os convidados apontam a memes e hashtags populares. O cenário inteiro, bastante colorido, remete a uma “estética tumblr”, com cores pastéis e objetos descolados espalhados.
As atrações do programa têm algo de nonsense, no sentido de bobo mesmo, como competições do estilo “torta na cara” ou “telefone sem fio”. É o tipo de piada que tem graça apenas quando se conhece as pessoas envolvidas – e é aqui que está a grande aposta do programa: a tentativa de trazer à TV toda a turma de amigos virtuais que Maisa agrega organicamente nas suas redes.
Aos 16 anos, Maisa é indubitavelmente um fenômeno. Criança midiática, ela praticamente cresceu na frente das câmeras, dentro do SBT, e conseguiu a façanha de não cansar a sua imagem.
Aos 16 anos, Maisa é indubitavelmente um fenômeno. Criança midiática, ela praticamente cresceu na frente das câmeras, dentro do SBT, e conseguiu a façanha de não cansar a sua imagem. Pequenininha, dividiu o palco com Silvio Santos e chamou a atenção por dizer a ele qualquer coisa que vinha à cabeça (personificando, desta forma, um desejo inconsciente de todos os espectadores). Espontânea e naturalmente agradável, Maisa migrou para a internet, sem nunca sair da TV, e foi igualmente bem-sucedida: seus posts são capazes de revelar uma menina ainda mais carismática, com cunho relativamente progressista e que, por isso, costuma ser decodificada como “fada sensata” por seus seguidores na rede.
É essa Maisa das redes que o Programa da Maisa intenta levar para o SBT. Vendido como uma atração para toda a família, na verdade o programa delimita claramente o público a que se destina. Nele, a apresentadora recebe convidados para uma conversa em um sofá, rodeada por uma pequena plateia, tendo de apoio os pitacos de Oscar Filho, ex-repórter do CQC. Ele tem função de “escada” para que Maisa brilhe, mas parece um tanto deslocado – talvez por ser bem mais velho que ela (seria como um irmão mais velho? Um tio?), talvez pelo claro constrangimento em algumas brincadeiras.
Nos primeiros episódios, Maisa parece desenvolta, bem à vontade, replicando sua figura carismática das redes. Ela ri dela mesma, usa fantasias engraçadas (como a de um pinguim enorme) e compartilha intimidades constrangedoras (em um momento, ao comentar tweets de haters, ela conta que seu namorado “caga muito”). Além de se mostrar brincalhona, revela-se também responsável e consciente (em um episódio, fez um adendo a um programa já gravado para falar sobre a tragédia de Suzano; em outro, terminou falando didaticamente sobre bullying).
Acima de tudo, a Maisa trazida aqui é a menina que se declara empoderada (palavra continuamente repetida no programa, não por acaso), elevada a exemplo para outras jovens. O discurso acerca do feminismo, no entanto, é leve e acessível – como não poderia deixar de ser a um programa destinado a essa audiência. Ele se resume, na verdade, nas falas de Maisa e na escolha de convidados, como as estrelas do “feminejo” Marília Mendonça e Maiara e Maraisa, também decodificadas como mulheres poderosas e exemplares – ainda que, na maior parte das vezes, suas mensagens sejam passíveis de contestação. O feminismo, como deixa claro o programa, é também um discurso do mainstream, altamente rentável, inclusive para pré-adolescentes.
Bem produzido, resta saber se o Programa da Maisa terá fôlego para manter-se ágil e interessante na TV aberta para atrair um público acostumado com outras velocidades e outras dinâmicas – como, por exemplo, a tentação de mudar para o próximo vídeo no celular se assim desejar.