A crise criativa pela qual passou boa parte das emissoras de tevê norte-americanas parece ter procurado nas adaptações e nos reboots uma forma de ganhar fôlego, seja em números de audiência, seja em entrada de capital, afinal, quem convive com o círculo televisivo sabe que audiência e dinheiro andam lado a lado.
Acontece que isso gerou uma onda de insucessos, para dizer o mínimo. Enquanto alguns foram refeitos sem o mesmo requinte e qualidade de seus originais, como o caso de Minority Report, outros sofriam (e sofrem) resistência por trabalharem com obras que, ainda que não fossem primores criativos, marcaram época para muitas gerações, como o caso de MacGyver. Sensação semelhante pegou o público quando a FOX anunciou que O Exorcista, clássico de William Peter Blatty dirigido por William Friedkin, ele mesmo já uma adaptação da obra literária de mesmo nome, ganharia uma adaptação em 13 episódios.
Do ponto de vista crítico, as seguidas falhas dos caça-níqueis televisivos jogou parte das expectativas lá embaixo. Em contrapartida, gerou um frenesi pela possibilidade de ver um clássico do cinema de horror levado às telas com o mínimo de qualidade. Até o presente momento em que quase a metade dos episódios já foi exibida, o saldo é bem positivo.
O seriado satânico vai além de uma simples tentativa de capitalizar uma obra icônica. O Exorcista da FOX investe forte em um roteiro que cria uma atmosfera sombria, triste, dramática e complexa, ainda que por vezes algumas falhas nos façam lançar um olhar de esguelha. Coube a Jeremy Slater, produtor executivo, a responsabilidade de adaptar a trama, e foi graças à sensibilidade de Slater no trabalho com o roteiro e a construção de seus personagens que O Exorcista tem obtido bons números de audiência. Mas não foi só isso.
A série ainda conta com um elenco qualificado, que inclui Geena Davis e Ben Daniels (House of Cards). Tudo foi pensado de forma a minimizar a possibilidade de riscos à produção. Desde o episódio piloto, é fácil notar o requinte com que as direções de arte e fotografia foram tratadas. A paleta de cores exerce papel fundamental em construir um ambiente onde opressão e claustrofobia têm papel menor, enquanto a possibilidade do clímax é sempre potencializada pela presença preponderante de sequências ora muito quentes, ora muito geladas.
Partindo dos preceitos religiosos sobre a prática do exorcismo, isso vai ao encontro das narrativas que apregoam as trevas, as intempéries do demônio. Por sinal, o tratamento que esse personagem sempre presente, mas nunca sob uma mesma face, recebe é magistral. A produção não apela a recursos tradicionais do horror, como gritos, sangue, excreções e congêneres, tampouco resgata o que já conhecemos da obra cinematográfica.
O Exorcista da FOX investe forte em um roteiro que cria uma atmosfera sombria, triste, dramática e complexa, ainda que por vezes algumas falhas nos façam lançar um olhar de esguelha.
No seriado O Exorcista, tudo é sutil. Para que o leitor entenda é preciso apresentá-lo à série. O seriado inicia na Cidade do México, onde o padre Marcus Keane realiza o exorcismo em um garoto. Concomitantemente, somos apresentado à família de Angela Rance (Geena Davis), uma empresária e mãe muito religiosa, casada com Henry (Alan Ruck, de Curtindo a Vida Adoidado), um homem atormentado por problemas de saúde que lhe causam um certo deslocamento da realidade e perdas de memória, e mãe de duas filhas, Kat e Casey (interpretadas respectivamente por Hannah Kasulka e Brianne Howey).
Angela sente uma presença estranha em sua casa, crendo que Kat, a filha mais velha, foi possuída por espíritos malignos. Entretanto, é na pele de Casey que veremos no desenrolar dos episódios que o mal se manifestará. E já na família Rance encontramos uma das forças do show. O ranço conservador da Igreja Católica é sutilmente abordado aqui, seja pela não aceitação dos bispos às solicitações de exorcismo (preocupados com a repercussão na comunidade), seja pela forma ortodoxa de lidar com os fiéis. Mesmo a desconfiança de Angela parte da homossexualidade da filha, vista aqui como um signo do pecado, do mal. Equilibrando esta equação está o padre Tomas Ortega (Alfonso Herrera), um homem sereno, apaixonado por sua congregação, um verdadeiro “homem de fé” que crê no poder da igreja como “alimentador e distribuidor da bondade”.
Ortega não domina a prática do exorcismo, tampouco crê em Angela. A situação muda quando ele é confrontado com o demônio, em uma das cenas mais interessantes do seriado até o momento. É a partir daí que a série toma novo rumo, e começa a apresentar momento interessantíssimos para um show de horror em uma emissora de tevê aberta nos Estados Unidos. O seriado se preocupa em prestar homenagens ao filme, entretanto, faz isso de forma sutil, seja através de um enquadramento, seja ao inserir os acordes de “Tubular Bells”, o marcante tema criado por Mike Oldfield. Mas Jeremy Slater também imprime identidade própria no seriado, trilhando caminhos interessantes e que acrescentam a dose necessária de originalidade à trama.
Podemos, por fim, apontar dois pontos fundamentais para o sucesso do show. O primeiro são seus atores. Geena Davis, Ben Daniels e Alan Ruck são fundamentais à série, sendo o ponto de equilíbrio não apenas aos atores menos experientes, mas aos sem tanta fama. Formatam seus personagens com elegância e os conduzem com pulso firme. O segundo ponto é a força do texto e do subtexto da trama. Há uma riqueza na obra em trabalhar metáforas capazes de assustar, explorando a dor e a confusão do crescimento e da transição entre a vida jovem e a adulta, ao mesmo tempo em que discutem limites da atuação religiosa e toda ambiguidade que cerca a Igreja enquanto instituição. Não há como fazer exercício de futurologia, mas a torcida é para que O Exorcista siga encantando ao nos assustar.