Aparentemente, a nostalgia dos anos 1980 não chegou ao seu limite. Por isso, é muito oportuna a ideia da série documental A Superfantástica História do Balão, da Star+, que recupera a história impressionante do grupo musical infantil Balão Mágico no início desta década. Formado por quatro crianças, eles gravaram discos que até hoje são respeitados por músicos e considerados como referência dentro do gênero infantil, além de terem apresentado um programa na Globo.
A série, que é dirigida por Tatiana Issa (que fez Pacto Brutal: O Assassinato de Daniella Perez), reúne os quatro integrantes para recuperarem o seu passado. A narrativa é organizada em três episódios que se centralizam em temas bem escolhidos: a ascensão do Balão Mágico, a chegada da puberdade e o início do fim, e o que ocorreu com as crianças depois que o grupo acabou.
Embora A Superfantástica História do Balão se apresente ao público como uma atração leve, embalada pelas canções famosíssimas do grupo infantil, o resultado é um tanto agridoce. Por um lado, há muitas homenagens de fãs famosos (como o ator Lázaro Ramos e o comediante Rodrigo Fagundes). Mas fica bastante claro que estávamos, sem saber, diante de um grupo criado com toques industriais e que deixou marcas indeléveis nas quatro crianças – e, em algumas delas, traumas que parecem terríveis.
A fábrica fantástica do Balão
A Superfantástica História do Balão é muito competente na ideia de mostrar que tudo o que cercou aquele grupo foi fabricado com fins de lucro. As principais vozes que ecoam nesse sentido são as do empresário Marcos Maynard, então chefão da gravadora CBS, do compositor Edgar Poças, e de Boni, o todo-poderoso da Globo. Os dois primeiros, inclusive, sinalizam o tempo todo que o sucesso do Balão Mágico enquanto negócio derivava de seus talentos.
Algumas falas dos entrevistados acabam se contradizendo, tirando da série um tom chapa-branca que seria decepcionante.
É preciso lembrar que eram os anos 1980 e a ideia de se “fabricar” uma banda era ainda uma novidade. Um grupo com crianças, então, beirava o ineditismo – e a CBS, na figura de seu presidente, importava a ideia da Europa, onde os discos destinados às crianças pipocavam.
A partir daí, buscou-se crianças que pudessem figurar dentro da fórmula (“para fazer muito sucesso, precisa ter estratégia”, explica Maynard em certo trecho do documentário). Simony já impressionava no circo e no programa do Raul Gil, e Tob (apelido dado a Vimerson Benedicto Canavilhas) foi escolhido numa seleção. Ambos despontaram como os talentos vocais do grupo.
Mas faltava ainda personalidade. Os empresários então veem na TV uma criança, Mike, que fazia um apelo para a permanência no Brasil de seu pai famoso, o lendário ladrão do Trem Pagador Ronald Biggs. Extremamente carismático, Mike virou uma peça fundamental na imagem do grupo. Por fim, uniu-se ao trio Jairzinho, que já tinha uma atuação musical, por ser filho do cantor Jair Rodrigues.
Os episódios de A Superfantástica História do Balão são intercalados por depoimentos dos quatro integrantes – separados e juntos em um cenário – com falas de pessoas que circundavam a banda. Há os responsáveis pelo negócio, mas há também parceiros musicais (como Fábio Jr.), colegas, fãs e alguns familiares.
Isso traz uma dinâmica interessante, pois algumas falas acabam se contradizendo, tirando da série um tom chapa-branca que seria decepcionante. Em várias falas, sugere-se que a família de Simony tenha se aproveitado do grupo para ganhar mais dinheiro que os outros, calcado no fato de que ela era a estrela principal.
Como os depoimentos foram gravados de maneira independente, o sentido se dá na montagem, e não há a perspectiva de que a mãe de Simony, Maricleuza, se defenda das “acusações”.
Os pontos frágeis de ‘A Superfantástica História do Balão’
Entretanto, esta perspectiva que me refiro acima – de fugir do documentário chapa-branca – também acaba trazendo algumas fragilidades à história contada. Em alguns momentos, a montagem sugere algumas coisas que não ocorrem de fato.
Por exemplo: no fim de um dos episódios, Simony fala que não temeu a chegada de certa pessoa como sua substituta (sugere-se que ela falava de Xuxa, cujo programa entrou no lugar do Balão Mágico, mas ela fala de Ticiane Pinheiro, que teve uma breve inserção na atração quando ela chegava ao fim). E no trailer que circulou nas redes, há a ideia de que esta seria uma história de brigas e desavenças sem fim – mas o encerramento da série mostra exatamente o contrário.
Além disso, alguns depoimentos parecem um tanto aleatórios, como quando é entrevistada a cantora Mara Maravilha (que só fala de si mesma) ou um amigo de infância do cantor Tob – que possivelmente substitui a voz dos pais dele, mas cuja função ali não é apresentada.
A história de Tob, por fim, acaba configurando o aspecto mais tocante de A Superfantástica História do Balão. Por ser o mais velho – e aparentemente o mais sensível – do grupo, Tob foi simplesmente defenestrado com a chegada da adolescência, de uma maneira que parece ter sido bastante cruel. Ele, inclusive, se emociona em vários momentos do documentário. Sua versão é endossada por Mike, que disse ter ficado traumatizado por ver o adolescente ter que se despedir tantas vezes do público.
No fim, eram só business, construído com base na dedicação profissional exacerbada de crianças que ganharam bastante dinheiro, mas pagaram um valor alto por isso. Ao encerramento da série, fica ecoando na mente a música de outro grupo infantil sensacional, o Palavra Cantada: criança não trabalha, criança dá trabalho.
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