O ano era 2009. Um jovem jornalista, de quase 30 anos, estreava como editor-chefe do programa Globo Esporte em sua edição paulista. O que aconteceria a partir desse momento, segundo alguns estudiosos e especialistas, seria uma mini-revolução no jornalismo esportivo e, em âmbito mais profundo, na linguagem do jornalismo de televisão. O jornalista, como talvez o leitor já tenha imaginado, era Tiago Leifert. A marca do trabalho estabelecido por ele impactaria, certamente, não apenas o telejornal daquela praça.
As mudanças decorridas no GE a partir de sua gestão foram várias. Elas envolvem tanto o conteúdo do telejornal esportivo quanto os modos pelas quais as mensagens passaram a ser anunciadas. No que tange à linguagem, o Globo Esporte perdeu o tom sisudo do estilo “leitura de teleprompter em uma bancada”, típica do telejornal padrão. Já no que diz respeito às pautas, o esportivo começou a abrir mais espaço a temas voltados ao entretenimento – como brincadeiras, piadas, e exploração de assuntos internos do próprio programa.
A verdade é que a influência de Tiago Leifert se estendeu para além do noticiário esportivo. Seu sucesso como editor, como repórter e, posteriormente, como apresentador, tanto de jornalísticos como de programas de entretenimento. Há pesquisadores que intitularam esse estilo de “leifertização do jornalismo” – termo associado não necessariamente a um elogio, mas a algo que também reflete uma espetacularização da notícia. Umas das críticas é que, na lógica da informalidade, o jornalista (ou a sua emoção, seja a comoção, seja o humor) se torna, às vezes, mais importante que a própria pauta. O argumento em defesa seria que se estabelece uma linguagem mais próxima ao espectador para, nas brechas, informá-lo sobre o que importa.
Na semana que encerrou, em mais um capítulo da “dança das cadeiras” da Globo, algo inesperado aconteceu: a emissora anunciou o fim do contrato de Tiago Leifert, que, na última década, conquistou o posto de grande estrela da casa. Em todos os cenários na mudança dos apresentadores cogitados pelo público e pela crítica, a sua saída não era cogitada, uma vez que Leifert e seu estilo – bem-humorado, espontâneo, capaz de lidar com os imprevistos de forma não mecânica – passaram a parecer insubstituíveis.
Mas o que era insubstituível terá que ser substituído. É claro que a saída não foi articulada de forma impensada por emissora e estrela, e foi oportunamente anunciada após a passagem das estreias de Marcos Mion e Luciano Huck, respectivamente, no Caldeirão e no Domingão. Embora a declaração oficial seja a de comum acordo entre as partes, estimuladas por uma necessidade de Leifert por outros projetos desafiadores, já há especulações que mostram outros tipos de insatisfação de Leifert e de problemas de negociação com a Globo (Tiago Leifert já se manifestou negando a versão dita neste texto).
Se essa é a “verdade” de Leifert, se é que ela de fato existe, pouco importa. O fato é que Tiago Leifert, muito oportunamente, controla sua narrativa até nessa hora.
No dia seguinte ao anúncio, na sexta-feira, Tiago Leifert foi recebido para um café no Mais Você, com Ana Maria Braga – aos moldes do que acontece com os eliminados do Big Brother Brasil, programa que Leifert apresentou nos últimos anos. A entrevista trouxe pistas interessantes, que quero discutir aqui.
Embora, claro, tudo estivesse moldado para que Tiago Leifert controlasse a enunciação, em um tom de “pronunciamento oficial”, desarticulando especulações, penso que a entrevista trouxe elementos importantes para entendermos não somente sua saída, mas a sua trajetória para além da Globo, em toda a televisão brasileira.
O primeiro ponto que me chamou a atenção foi a plena convicção de Leifert sobre suas ações e decisões. Em tom que lembra um tanto a fala típica de um coach, o apresentador contou sobre o processo de criar algo novo quando ninguém acredita que possa dar certo. Citando o livro Ignore everybody: and 39 other keys to creativity, do cartunista Hugh MacLeod, ele menciona a frase “ideias criativas têm infância solitária”. Ou seja, de que a sua iniciativa – o de mudar toda a linguagem do Globo Esporte – foi refutada por todos, mas que ele, incansável, seguiu acreditando e lutando por ela.
Penso que há um certo tom de autoajuda nesta “autonarrativa” pela qual Tiago Leifert resume a própria trajetória. Na entrevista, ele se define como um workaholic, sem usar essa palavra, mas deixando claro que todos os espaços de sua vida eram invadidos pelo trabalho (o que me lembra muito aquele defeito citado em entrevistas de emprego do “sou muito perfeccionista”). Segundo ele mesmo, a jornada do herói deste apresentador foi apenas ascendente – alguém que sobe (a custo de muito trabalho, seu “sacrifício”) e vai galgando postos cada vez mais altos.
O ponto mais interessante neste relato de jornada, em meu ponto de vista, tem a ver com a descrição da frustração que é estar no auge. Segundo Leifert, o ponto ápice se deu quando, ao receber os parabéns de sua mulher pelo sucesso de um episódio de BBB, ele não sentiu nada. Subiu até o topo da montanha, olhou para o horizonte e, de lá, não viu nada. Optou, portanto, por abrir mão do posto que galgou, a duras penas, e do legado que construiu.
Se essa é a “verdade” de Leifert, se é que ela de fato existe, pouco importa. O fato é que Tiago Leifert, muito oportunamente, controla sua narrativa até nessa hora. Privilégio, infelizmente, que não foi dado a Faustão – nome de importância maior, a julgar pela sua história na televisão. Mas talvez essa despedida (que ocorre três meses antes de Leifert de fato sair da Globo, pois apresentará o The Voice até dezembro) sirva para nos lembrar que trabalhar na emissora global nem sempre é a solução de todos os problemas. Às vezes, pode ser até a causa deles.