A televisão de domingo se tornou uma espécie de paraíso para quem gosta da chamada trash TV. Neste dia da semana, abundam os “programas ruins” na grade de várias emissoras: eles vão desde o assistencialismo do Domingo Show, na Record, ao Programa da Eliana e ao Domingo Legal infestado de anúncios da Havan, no SBT, à seriedade exagerada do quadro “Show dos Famosos” do Domingão no Faustão, na Globo. Para quem gosta desse tipo de cardápio, o domingo se tornou um prato cheio.
Para esse público (no qual me incluo, com certo constrangimento), surgiu uma atração imperdível, dentro do próprio SBT de Silvio Santos. O já citado Domingo Legal ressuscitou um quadro antigo no programa, denominado “Xaveco”, e que nada mais é que uma recapitulação absurdamente cômica dos quadros de namoro que sempre existiram na televisão (vale lembrar, por exemplo, que Silvio Santos realizou, entre 1994 e 2000, um programa chamado Em nome do amor, que promovia encontros, namoros e reencontros na TV, e que se tornou uma espécie de cult). De fato, observar a dança entre pares que se cortejam traz um prazer inenarrável – vide, por exemplo, o (infelizmente) breve programa À primeira vista, que compunha a grade da Band. Pois bem, o “Xaveco” recupera essa tradição e o aplica no universo dos “jovens”, dos encontros fugazes e dos amores líquidos, e simula uma balada no palco coordenada por Celso Portiolli.
A diversão está justamente em todos os elementos assumidamente de baixa qualidade que cercam o “Xaveco”. A começar pela suposta falta de um senso de auto-preservação das pessoas que topam participar disso: do que vivem? Para que estão ali?
É realmente uma pérola na TV de domingo, pois tudo no quadro é deliciosamente constrangedor. Uma solteira (ou solteiro) mascarada vai selecionando pretendentes por meio de uma série de perguntas aleatórias que nada definem (eles respondem questões como “o que você prefere vestir na praia?” ou “você prefere homem com barba, sem barba, ou cavanhaque?”). Após esse primeiro filtro, alguns sujeitos (homens ou mulheres) sobram na peneira e precisam “xavecar” o solteiro e passar por provas esdrúxulas e algo humilhantes, como enrolar a língua lendo um texto num teleprompter, fazer embaixadinhas usando um vestido curto ou lavar uma louça em público. Obviamente, nada aqui é sério, e nada aqui diz respeito à aproximação de fato de um casal.
Então, se não dá para acreditar muito no aspecto “sentimental” do programa, qual é a graça do quadro? A diversão está justamente em todos os elementos assumidamente de baixa qualidade que cercam o “Xaveco”. A começar pela suposta falta de um senso de auto-preservação das pessoas que topam participar disso: do que vivem? Para que estão ali? Como se reproduzem? Os cachês módicos que provavelmente recebem pagam a pena de virarem personagens efêmeros da trash TV? Tudo isto é uma incógnita – e tentar adivinhar quem são, de fato, esses indivíduos, faz parte da diversão promovida pelo quadro.
O segundo aspecto compreende o fato de que esse tipo de atração possibilita um tipo de espiadinha na realidade de pessoas diversas, dentro de contextos sociais específicos, muitas vezes alheios aos de quem assiste. É curioso tentar entender, por exemplo, de que forma o palco do “Xaveco” tenta reproduzir o cortejo típico de uma balada adolescente, marcado de pavonices e exibicionismos que só fazem sentido neste habitat. Os incautos participantes, muitas vezes, tentam parecer interessantes fazendo danças espalhafatosas ou exibindo seus abdominais, enquanto as meninas usam roupas curtas, cabelos exageradamente compridos e rebolam frente às câmeras, como uma possível prova de que são melhores ou mais desejáveis que seus pares. Há, portanto, quase uma dimensão antropológica que transparece – e nós, os espectadores, somos como que Lévi-Strauss amadores em busca de pistas para entender estes estranhos espécimes.
Por fim, mas não menos importante, destacaria o terceiro aspecto da diversão: a performance exageradíssima e, por isso mesmo, bastante engraçada de Celso Portiolli. O apresentador, que já tem anos de casa, parece incutido de uma missão de se tornar o sucessor de Silvio Santos no SBT, e costuma ser tão exagerado e sem-noção quanto o chefe. Ótimo no improviso, Celso faz praticamente a mesma coisa que o “patrão”: fala o que vem à cabeça, constrange os participantes, deixa bem evidente a feiúra de alguns figurantes do quadro. Suas interferências passam também longe do politicamente correto: frente a um participante de ascendência indígena, por exemplo, perguntou se ele sabia a dança da chuva. Tudo isto sem pudor algum, e apoiado por um personagem “escada”, que é um ator bombado todo coberto de penas brancas e intitulado “Gavião”.
Tudo isso com uma edição exagerada e coberta de efeitos sonoros antiquados (é comum que toque como trilha sonora a música “Rhythm is a dancer”, de Snap, que ficou famosa por ser a trilha do clube das mulheres na novela De corpo e alma, da Globo, exibida em 1992). É tudo muito over, muito trash, muito ruim – e por isso mesmo, perfeitamente adequado para aqueles que se divertem com um bom programa ruim nas tardes de domingo.